Amarela, nem camisinha

A que ponto chegamos. Ele é brasileiro, democrata e torcedor. Para não ser confundido, não consegue usar nada amarelo. Como no chorinho de Assis Valente (1937), imortalizado pela luso-brasileira Carmem Miranda, prefere usar uma camisa listrada e, em vez de tomar chá com torradas, beber parati. E colocar no fogo sua camisa amarela, como no samba de Ary Barroso (1956), gravado pela nossa querida e já saudosa Gal Costa.

Outro dia, no face, cheguei a sugerir aos golpistas de plantão (que continuam de plantão) a utilizarem camisetas pretas. Além do luto, pretas são as camisas dos fascistas de ontem e de hoje. Logo recebi uma mensagem condenando minha sugestão. Segundo o missivista, conhecido jornalista e anarquista de carteirinha, camisa preta é também símbolo dos anarquistas. Tem razão o amigo. Não tem sentido manchar o bom nome daqueles que defendem uma ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação.

Mas, afinal, o que fazer com as nossas amarelinhas? As agências de publicidade (já reparou?) estão utilizando as camisetas amarelas da seleção com parcimônia. Misturam o verde do América e o branco da paz em seus anúncios de produtos patrocinadores da Copa do Mundo. Com o vermelho salpicado, encontraram uma boa seleção de cores.

O presidente Lula já declarou que vai vestir camiseta amarela para torcer pela nossa seleção. Mas, adiantou: com o número 13 estampado. É uma ideia.  A outra, seria todos nós, democratas, readotarmos a camiseta amarela e, torcendo pelo Brasil ou pela seleção, lotar praças e ruas das cidades com uma cor que sempre foi nossa.

Um outro símbolo que também sofre uma tentativa de apropriação indébita pelos golpistas é a nossa bandeira. Com suas 27 estrelas, ela foi inspirada (copiada, na verdade) na bandeira imperial criada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret. Mesmo com sua origem monarquista, ela representa hoje o Brasil de todas e de todos.

Com o início da Copa, ainda não ficou claro em que lado os camisas-amarela-golpistas irão se posicionar. Desobstruir as estradas e assistir aos jogos no aconchego da família ou manter uma torcida aquartelada? E se o Brasil perder a Copa, será os golpistas irão acampar na sede da FIFA pedindo a anulação da final? Pode ser, não duvido. Uma torcida discreta pelo Neymar também deve acontecer.

Por falar no jogador brasileiro do Paris Saint-Germain, a situação ficou feia para quem trajava colete amarelo na capital francesa. A polícia de Paris, sempre muito violenta, jogou duro contra os manifestantes conhecidos como Coletes Amarelos. Criado em 2018, o movimento popular luta por mais justiça social e tributária, salários e pensões mais altas em meio à inflação e preços mais baixos para bens essenciais e energia.

Forças Armadas programam showmício em Copacabana

O candidato Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas eleitorais, marcou um comício no próximo dia 7 de setembro na Avenida Atlântica, em Copacabana. No ano passado, o candidato pronunciou um discurso de campanha também no dia 7 de setembro, em Brasília. Nele, Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Eleitoral e à democracia e terminou dizendo que só sai da presidência “preso ou morto”.

O que Bolsonaro esperava acontecer no 7 de setembro do ano passado não aconteceu. O golpe não veio e sua fala gerou alguns tantos processos que estão na justiça. Se não agora, que ele ainda detém a presidência, os processos serão devidamente tratados quando ele deixar o Planalto em janeiro do próximo ano.

Agora, novamente às vésperas de um 7 de setembro, o mesmo Bolsonaro anuncia uma grande comício, com direito a motociata, em Copacabana. Primeiro, ele tentou transferir o tradicional desfile de 7 de setembro da avenida Presidente Vargas para Copacabana. Não conseguiu. Para não o desagradar, as Forças Armadas decidiram cancelar o desfile na Presidente Vargas.

É incrível como as Forças Armadas aceitam, passivamente, alterar um desfile militar tradicional a pedido de um ex-militar com a ficha do capitão-candidato Bolsonaro. Há cerca de 30 anos, Bolsonaro foi considerado um indivíduo que “desmereceu a honra militar, faltou com a verdade e maculou a dignidade militar”. As acusações: Bolsonaro ameaçou colocar bombas em quartéis e teria desenhado um croqui de uma bomba a ser colocada na Adutora do Guandu, que abastece de água o município do Rio de Janeiro. Em entrevista realizada em 1993, o então ditador Ernesto Geisel afirmou que Jair Bolsonaro era um mau militar.

Agora, as mesmas Forças Armadas decidem promover um showmício durante um ato de campanha do candidato Jair Bolsonaro. E já divulgaram a programação. O exército vai desfilar num trecho da Avenida Atlântica, próximo do Forte de Copacabana. A partir das 8 horas da manhã do dia 7 de setembro, serão 29 salvas de tiros de canhão, parada naval com navios de guerra e a apresentação da esquadrilha da fumaça.

No entanto, a lei eleitoral proíbe o showmício? “É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral”, diz trecho da lei.

O que pode acontecer, antes do dia 7 de setembro, é exigir na justiça a paridade entre aqueles que disputam a presidência. Assim, o Lula e os demais candidatos e candidatas, teriam o direito a um mesmo showmício das Forças Armadas em seus comícios eleitorais. Cada um marca o local para a apresentação das três forças.

Imóveis comprados com dinheiro vivo

Segundo denúncia divulgada hoje pela imprensa, desde 1990 a família do presidente Jair Bolsonaro negociou 107 imóveis no valor atualizado de 25,6 milhões de reais. Destes, 51 imóveis foram adquiridos com o pagamento em dinheiro vivo.

Nós sabemos que tipo de pessoa não utiliza o sistema bancário para pagamentos. Antigamente, era comum guardar algum dinheirinho debaixo do colchão. Hoje, podemos encontrar, nas boas casas do ramo, as camas-baú.

Questionado sobre a particularidade da família Bolsonaro em utilizar dinheiro vivo, o presidente perguntou: “qual é o problema de comprar imóvel com dinheiro vivo?”.

Não é proibido, mas é suspeitíssimo. Qual a origem do dinheiro? Por que não utilizou o sistema bancário? Geralmente, as compras com dinheiro vivo estão associadas ao crime de lavagem de dinheiro e ao narcotráfico. E, claro, abastecer as milícias nas compras de armas. São atividades que utilizam o dinheiro vivo para fugir dos órgãos de fiscalização, como a Receita Federal e o Coaf. 

Ações da justiça agora ou também ficam para janeiro de 2023?

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A III Guerra Mundial já começou

“Guerra e Paz-, de Candido Portinari: um presente do Brasil para a ONU

Uma guerra mundial pode começar de várias maneiras. Para a segunda guerra mundial, o estopim foi a invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler. Mesmo assim, depois da Polônia, a Alemanha invadiu outros 11 países. Já a primeira guerra mundial começou com o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do império Austro-Húngaro. 

E aqui cabe uma pergunta: quantos países em luta são necessários para considerar mundial uma guerra? Na primeira grande guerra mundial, 17 países estiveram diretamente envolvidos. Já na segunda (1939-1945), quase todos os países do mundo tiveram maior ou menor participação. O número pode chegar a 175 países, além das oito nações que se estiveram neutras: Portugal, Espanha (cujo ditador Franco apoiava Hitler), Andorra, Suíça, Liechtenstein, Suécia, Irlanda e o Vaticano.

Se o critério é o grande número de participantes, neste exato momento uma guerra mundial está sendo travada no Médio Oriente. O motivo oficial para uma guerra que envolve 19 países foi a denúncia de corrupção no governo sírio dirigido por Bashar al-Assad. Nada menos do que 13 países lançaram ataques na Síria: EUA, Rússia, Reino Unido, Canadá, França, Austrália, Holanda, Irã, Turquia, Arábia Saudita, Israel, Bahrein e Jordânia. Mas nem todos com o mesmo motivo. Alguns, como os EUA e a Rússia, estão de olho na imensa reserva de petróleo da Síria.

Atualmente, a diferença entre guerras mundiais está no poder de fogo de seus participantes e na possibilidade da utilização de armas apocalípticas, como as bombas nucleares. Para os cientistas, qualquer uma das bombas nucleares existentes poderia levantar uma nuvem de poeira que iria cobrir todo o planeta durante um ano e, ao bloquear a luz solar, a temperatura da Terra poderia atingir -40º C. 

Vamos aos fatos mais recentes. Há três meses, a Rússia anunciou a invasão da Ucrânia, com o objetivo declarado de garantir que o país vizinho não faça parte da Aliança do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Criada em 1949, sob inspiração dos EUA, o organismo tinha como principal meta barrar a influência socialista pelo mundo. Após a queda da União Soviética, a OTAN se expandiu entre os países que faziam parte da URSS. Nada menos do que 13 países da região de influência da Rússia entraram na OTAN. Entre eles, três eram ex-repúblicas da União Soviética. Com o apoio dos EUA, o governo da Ucrânia manifestou seu interesse em entrar na OTAN. Foi a gota d’água para a invasão do país pela Rússia.

Em poucos dias, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução condenando a ofensiva militar da Rússia à Ucrânia. O documento recebeu 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções. O Brasil votou a favor da resolução.

Embora tenha ocorrido – e esperamos que volte a ocorrer – algumas poucas reuniões para o restabelecimento da paz, o que assistimos é um aumento exponencial de envio de armas para o cenário da guerra. Mais de 40 bilhões de dólares em armamentos foram enviados diretamente pelos EUA e outros bilhões de euros enviados pelos seus parceiros europeus. Entre eles, Portugal acaba de enviar 250 milhões de euros em material de guerra. As declarações do secretário-geral da OTAN e do presidente dos EUA, infelizmente, não são pela paz. Pelo contrário, são claramente pela continuidade da guerra. 

Não satisfeito, o presidente ucraniano declarou, em discurso por videoconferência durante o Fórum Econômico de Davos, que “a Ucrânia precisa de todas as armas que pedimos e não apenas das que foram fornecidas”. E ainda pediu o fim de todo comércio com a Rússia. Pelo jeito, ele acredita que vai ser atendido, pois, no mês passado, foi aplaudido de pé em 19 parlamentos. Entre eles:  Alemanha, Reino Unido, Espanha, Holanda, Israel, Itália, Portugal, EUA e no próprio Parlamento Europeu.

A participação dos EUA em guerras mundo afora comprova o seu interesse econômico e sua postura bélica. Cerca de 70% de todo o armamento utilizado em guerras e levantes armados é fabricado nos EUA. Não é por um acaso que o país participou, desde o fim da segunda guerra, de quatro guerras contra países (Coréia, Vietnã, Afeganistão e Iraque) e em 81 intervenções armadas para mudança de regime e deposição de governantes.

O que assistimos hoje é uma declaração de guerra dos EUA à Rússia. Não só com as armas “made in usa”, como nos bloqueios das reservas russas nos EUA e na Europa. É a chamada guerra não declarada. Mas deflagrada. 

Mesmo com mais de seis milhões de refugiados e alguns milhares de mortos só o cenário de guerra é na Ucrânia. Alias, desde sua guerra civil, o cenário de guerra dos EUA nunca é em seu território. Lembrando que o ataque em 1941 dos japoneses a um “território” dos EUA aconteceu na Ilha de Oahu, localizada no Havaí. Em distância área, Pearl Harbor fica a 7.779 km de Washington. Vale lembrar que, das 12.700 bombas nucleares existentes em todo o mundo, 90% pertencem a dois países: Rússia (6 mil) e EUA (5.500). A China possui cerca de 350 ogivas. E não são mais bombas atômicas como aquelas que os EUA jogaram em Hiroshima e Nagasaki. São 50 vezes mais potentes. Ou seja, basta uma.

A guerra na Ucrânia não começou no dia de sua invasão pela Rússia. Há mais de um ano, os EUA prometeram ajudar o governo ucraniano para o seu ingresso na OTAN. Na época, a Rússia manifestou que não aceitaria e lembrou que a Ucrânia assinou, como outros países que tem fronteira com a Rússia, um tratado de neutralidade. Mas o interesse de receber os benefícios oferecidos pela OTAN, via EUA, falaram mais alto e a Ucrânia decidiu peitar a Rússia.

Para colocar mais fogo na fogueira, os EUA decidiram apoiar os governos da Suécia e da Finlândia a ingressarem no Tratado do Atlântico Norte. Os dois países, por motivos diferentes, sempre adotaram uma posição de neutralidade.

Eleito pelo quinto ano seguido como o país mais feliz do mundo, a população finlandesa sempre apoiou sua posição de neutralidade. Com a invasão da Rússia na Ucrânia e declarada pressão dos EUA, a população tende, agora, a aprovar sua adesão à OTAN. A Finlândia tem uma fronteira com a Rússia de 1.340 km. Já a Suécia foi eleita recentemente como o sétimo país mais feliz do mundo, logo atrás do Luxemburgo. O país mantinha uma posição de neutralidade desde a primeira guerra. Entre os critérios para eleger os países mais felizes está a expectativa de vida saudável, PIB elevado, baixa corrupção e confiança nos mecanismos sociais. Tudo pode mudar para estas duas nações. Nesta semana, o presidente dos EUA recebeu na Casa Branca a primeira-ministra da Suécia e o presidente da Finlândia. Os dois foram à Washington confirmar a decisão de participar da OTAN. 

O prenúncio de uma terceira guerra mundial não está apenas nos atores desta guerra que acontece em solo ucraniano após ser invadido pela Rússia. Vai muita mais além. E é aí que mora o perigo.

Uma pequena nação insular, localizada a 180 km da China e com apenas 36 mil km2, é conhecida pelo nome de Taiwan. Ou Ilha Formosa, nome dado pelos navegadores portugueses em 1542. Formosa ou Taiwan, segundo os chineses, é uma província da República Popular da China. Com apoio militar e econômico dos EUA, Taiwan luta para ser reconhecido como um país soberano. No entanto, não é reconhecido nem pela ONU nem pela maioria dos países. Dos 193 países-membros da ONU, Taiwan é reconhecido por apenas 21 estados membros. O Brasil está entre os países que não reconhecem sua soberania. Curiosamente, mas dentro da lógica capitalista, os EUA cortaram relações diplomáticas com Taiwan em 1979, mas vendem armas e têm apoio do Congresso para fornecer ajuda militar para a ilha.

Em recente visita à Ásia, o presidente dos EUA declarou, ao lado do premiê do Japão, o compromisso de pegar em armas no caso de uma invasão da China em Taiwan. Ele ainda mandou um recado aos chineses que a punição de seu país e seus aliados à Rússia poderia acontecer com a China caso decida invadir Taiwan. A diplomacia dos EUA tentou fazer uma outra leitura da declaração de seu presidente. Mas, para a China, ficou o dito pelo dito e ela reagiu com força, advertindo Washington a “não brincar com fogo”. E ainda lembrou, em tom de ameaça, que Taiwan não é Ucrânia. E nem a China é a Rússia, acrescento eu. O presidente chinês já declarou, em várias oportunidades, que a reunificação da ilha com a China vai acontecer. Só não falou quando.

Com um PIB de 17.458 bilhões de dólares, a China tem hoje a segunda maior economia do mundo, logo atrás dos EUA, que tem um PIB de US 22.998 bilhões. Segundo o Centro Japonês de Pesquisa Econômica, a China deverá ser a maior economia do mundo em 2.033.

E aqui fico eu. Mas a história continua a ser escrita e o futuro rascunhado.

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Make love, not war

Mapa divulgado pelo O É da Coisa

Eu sou de uma geração que assistiu a dezenas de guerras e a centenas de intervenções militares em países soberanos. Quando nasci, a segunda guerra mundial tinha terminado poucos meses antes com a rendição dos nazistas. Mesmo assim, os EUA lançaram, em agosto de 1945, duas bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Foi a primeira e última vez que uma nação utilizou armas nucleares contra alvos civis.

De lá para cá, o mundo não ficou um ano sem uma guerra e sem inúmeras intervenções militares. Governantes foram trocados (alguns, por ditadores que depois foram também derrubados), países invadidos, eleições fraudadas, cidades bombardeadas, presidentes destituídos, presos torturados ou mortos. De 1950 a 2021, os EUA, diretamente ou com a chancela da Otan, participaram de 34 intervenções em países soberanos. Em alguns, mais de uma vez, como ocorreu com o Iraque, Laos, República Dominicana, Indonésia e Panamá. Em pelo menos dois, fracassaram: Cuba e Vietnam. 

Na ditadura militar de 1964, os EUA não chegaram a desembarcar sua tropa, mas estavam prontos. Com a chamada Operação Brother Sam, o governo norte-americano deslocou sua frota no Caribe, liderada pelo porta-aviões Forrestal, para a costa brasileira. 

O escritor moçambicano Mia Couto escreveu, em seu livro O Último Voo do Flamingo: “A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda”.

Na década de 1960, surgiu um grito de guerra contra o furor belicista dos EUA. Surgiram inúmeros movimentos, em especial contra o envolvimento dos EUA no Vietnam. Uma guerra que durou quase vinte anos e matou cerca de 2 milhões de civis vietnamitas e 58 mil soldados norte-americanos. 

O “faça amor, não faça a guerra” tomou conta da juventude em todo o mundo. 

Tinha o Beto, meu filho, apenas 2 meses, quando cerca de 400 mil jovens de todas as idades participaram do Festival de Woodstock pela Paz, realizado em 1969 numa fazenda de gado leiteiro dos EUA. O repúdio à guerra tomou conta de nossa geração. Passeatas e manifestações ocorreram em diversos países, algumas com forte repressão militar.

Voltando um pouco no tempo, assistimos, logo após o término da segunda guerra mundial, a criação de duas organizações militares. Em Washington, a fundação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949). A Otan nasceu com o objetivo de, capitaneada pelos EUA, inibir o avanço do bloco socialista no continente europeu e oferecer ajuda militar a todos os seus países membros. Anos depois, em 1955, a União Soviética lançou o Pacto de Varsóvia, também conhecido como Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua. Seu objetivo, uma reação à criação da Otan pelos EUA e de apoio militar a seus 8 países membros. O Pacto foi criado logo após a então Alemanha Ocidental aderir à Otan.

Essas duas alianças militares tomaram conta do noticiário político, militar e ideológico durante todo o período da chamada Guerra Fria (1947/1989). O nome ficou por conta de não haver uma guerra aberta entre as duas grandes potências nucleares.

Eu na queda do Muro de Berlim

Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a dissolução da União Soviética (1991), o Pacto de Varsóvia foi extinto. Findada a Guerra Fria, o mundo imaginava, então, que, da mesma forma, também seria extinta a Otan. Pelo contrário. Não só continuou, como foi ampliada e continua a ser ofertada.

Entre os atuais 30 associados da Otan, os EUA já incluíram 14 países que pertenciam ao Pacto de Varsóvia ou à União Soviética.

O que aconteceu ontem para entender o que acontece hoje.

Em outubro de 1962, um avião espião norte-americano, que fotografava Cuba todos os dias, descobriu uma base de mísseis na ilha. Acontece que a distância de Cuba aos EUA é de apenas 2.443 km e um míssil poderia atingir Washington em apenas 13 minutos. Ou seja, os EUA não poderiam permitir que os russos instalassem uma base tão perto de suas fronteiras. O então presidente dos EUA, John Kennedy, promoveu um bloqueio contra Cuba e negociou com o dirigente soviético, Nikita Kruschev, a retirada dos mísseis. Quando as conversações estavam avançadas, um avião espião (U-2) dos EUA entrou no espaço aéreo cubano e foi derrubado. Para o mundo, tudo indicava que seria deflagrada uma guerra nuclear entre a União Soviética e os EUA. No dia seguinte, nas negociações, os russos exigiram, para retirar a base em Cuba, que os norte-americanos desativassem uma base, também com mísseis balísticos nucleares, na Turquia, que fica próxima dos países do leste europeu. Finalmente, foi selado o acordo entre as duas potências e evitada uma possível guerra nuclear. 

E, assim, chegamos aos dias de hoje. Amanhã, não sabemos.

остановка Путин – Stop Biden

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contra a liberdade de organização de qualquer um

beto vianna

preâmbulo (pode saltar essa parte, que o assunto é outro) 

digo sem corar que a tábata amaral nunca me enganou, porque quando eu achava a dita cuja (que passo a chamar de ms. amaral, pra eu mesmo não confundir com outra tábata, que nada tem a ver, muito antes pelo contrário, com a deputada) uma política séria, eu achava a ms. amaral séria na minha experiência (a experiência dos outros, são outros 500). essa história de ser cria do grupo lemann, por si só, nunca me convenceu de nada, ou muito ator político que eu levo a sério (a maior parte do tempo) teria que ser reclassificado pra baixo por motivos muito parecidos. enfim, desconfio de explicações sobre o comportamento político de fulano ou beltrana apelando prum xadrez geopolítico pré-montado. depois, acolhi a opinião alheia, e dos amigos petistas, em particular, considerando as ações da ms. amaral, em especial nas votações do congresso e umas declarações aqui e ali, incompatíveis com o meu levar a sério (a maior parte do tempo) um ator político. “abrir os olhos” é uma expressão ruim. nossos olhos tão sempre abertos, no momento que vemos o que vemos. 

sobre o caso (agora pode ler, que é o assunto)

o caso é que a ms. amaral participou dum programa desses que bomba nas redes, o flow podcast, em que se deu o comentadíssimo debate sobre a liberdade de organização do nazismo. com todo mundo em campanha eleitoral, a tribuna das redes, das lives aos debates, é um espaço concorrido. o flow, em especial, oferece exposição a rodo, e parece ser tocado (eu não conhecia) por uns bacaninhas idiotizados e idiotizantes, que juntam à falta de repertório as soluções fáceis (tradicionalmente oferecidas pela extrema-direita). o pouco que eu vi do programa (um pedacinho da entrevista com o moro, e um pedaço maior dessa agora) sugere isso. 

e ali estavam à mesa a ms. amaral e o mr. kim, que comungam essa persona neo-política com os entrevistadores, essa que, com ou sem repertório, faz política demonizando a política, solução tão fácil quanto impossível (e sim, eu não via assim a ms. amaral antes). 

mas mr. kim é uma velhíssima raposa política, com ou sem idade. a diferença dos comentários dele pro eu-acho-que-nazista-tem-que-ter-partido do monark, é profunda. é de essência. kim finge que defende a liberdade de organização pra quem quer que seja (ele não defende), justamente pra ser confrontado e revidar dizendo que o comunismo, enfim, a esquerda, é igualmente genocida, e, portanto, deve sofrer as mesmas sanções. é a velha armadilha dos anticomunistas, ou seja, dos autoritários. quem lembra do mbl defendendo a criminalização do m(t)st, ou a erotização infantil em obras de arte, vê agora o mbl, aliado do juiz ladrão, defendendo a criminalização dos partidos comunistas. se deu mal, é claro. até o podemos e moro querem distância, por motivos eleitorais. o desvario do monark é imbecil, perigoso e autoritário, mas dificilmente criminoso. só que a comunidade judaica, ao contrário dos pretos e dos lgbt´s, tem sempre um cacete grande preparado pra não deixar o desvario prosperar. fora isso (a punição), a bobagem monarkista nem de longe se compara à tática do kim: ou vocês proíbem a esquerdalha, ou eu solto os cachorros nazistas em vocês. 

e a ms. amaral? essa, oportunista (como eu acho agora), liberalóide (como eu acho agora), dissimulada (como eu acho agora), disse tudo isso que eu disse acima, e pro kim: partido nazista é absurdo, pois põe em risco a vida dos outros, e, ao contrário, OS PARTIDOS COMUNISTAS SÃO PARTIDOS DEMOCRATAS. foi isso o que ela disse. pode ir lá checar.

e o que a esquerda faz com a ms. amaral? 1) finge que ela não disse o que disse (vi argumentos engraçadíssimos, como “ela não foi incisiva o suficiente”, ou seja, o sim e o não dela teriam graus, talvez por ela ser liberal), 2) dizem que ela, como a márcia tílburi deveria ter se levantado e ido embora (ah, esse sempre foi o comportamento de todo herói da esquerda em um debate com a extrema direita?), 3) ou que ela deveria ter dado voz de prisão aos nazistas (perdoem, mas pra isso deixo aqui só o meu hahahahahaaha).

a esquerda repete ao infinito nas redes essa platitude meio passeio-com-maiakovski, ótima pra se gadear com a estética correta, de gente virar nazista porque se senta (e não se levanta) em uma mesa ocupada por outro ou outros nazistas. é curioso. pergunto: esse “se sentar à mesa” é literal ou metafórico? é uma mesa de bar? uma mesa de debates? 

parece que o adágio serve à filiação (ou fraternidade) institucional e comercial. os patrocinadores do flow entenderam isso, e levantaram-se da mesa. o flow entendeu isso, e puxou a cadeira do monark. e veste como uma luva na organização partidária (que era, ironicamente, justamente o tema do debate nazi-livre-ou-não). partidários de um partido que abriga um nazista, viram nazistas? o podemos, partido do marreco falsário, entendeu que sim, e parece que proibiu o kim de se sentar à mesa deles. segundo o adágio, se ms. amaral sentou-se à mesa (literal) com nazistas, ela é, ipso facto, nazista. e de que partido é a ms. amaral? em que mesa ela vai se sentar, nas eleições de 2022?

FARSA DA ANTIGA PINDORAMA – A  ciência  vence a Farsa

Ilustração: Walter Lara

Farsa da Antiga Pindorama, mais uma saga versada de José Mauro da Costa

Pindorama, em Tupi-Guarani, significa “terra das palmeiras”. Foi nossa primeira denominação,  bem anterior à  “descoberta” de Pedro Álvares Cabral.

Esta é uma obra de Ficção. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas,  terá sido mera coincidência 

Aos leitores

A saga de Belzebu e Dinato, com as alegorias humanas Todo o Mundo e Ninguém, foi iniciada por Gil Vicente, no ano da 1532 – trecho no Auto da Lusitânia.

Dei um complemento pessoal àquelas suas  críticas com a Farsa da Antiga Terra de Santa Cruz (4˚ ed.,2000), quando entraram em cena, também aqui presentes,  Plebe e Pouca Gente.

Agora, em 2022, e como consequência deste conturbado momento por que passa todo o mundo – e de modo especial nosso país – retorno à saga versada, com esta `Farsa da Antiga Pindorama`, título e texto em homenagem a nossos irmãos, os índios brasileiros  – abandonados, explorados e desprotegidos pelos governos (Art. 22, XIV da Carta Magna).

Em todos os textos, nos anteriores e neste, surgem personagens, diga-se, convidadas por um suposto ser superior. 

A propósito, o Chefe do Inferno tem cerca de 85 denominações, dicionarizadas ou não.  Vejamos alguns exemplos:  Gênio do Mal, Espírito das Trevas, Demônio, Satanás, Belzebu, Dragão, Bruxo do Inferno, Espírito Maligno, Lúcifer, Mefistófeles, Anjo Mal, Anjo-Caído, Decaído, Pai da Mentira, Maldito.

Para não pronunciar o nome de `Diabo`, a superstição popular o substitui por vários outros, o que se considera “tabu linguístico”, como:  Arrenegado, Tinhoso, Coisa-ruim, Excomungado, Maligno, Belfigor, Cão, Chifrudo,Rabudo.

                                            Belo Horizonte, fevereiro de 2022

                                                  José  Mauro  da  Costa

Farsa da Antiga Pindorama

José Mauro da Costa

1.

Lúcifer, o mal eterno

Desesperado no Inferno

Seu mau-humor não domina

Tudo errado lá na Terra 

Há muitos anos sem guerra

Que será que ele imagina?

2.

Estando de saco cheio

Tratou de arranjar um meio

Para aprontar outra vez

Criou e ficou contente 

Um vírus muito potente

Foi isso mesmo que fez.

3.

Nada mais que de repente

Afeta tudo que é gente

Negro, branco ou amarelo

Os índios em cada taba

Incluso o morubixaba

Ninguém foge do flagelo

4.

Em pouco mais de um dia

O vírus se autorrecria

Se espalha muito fatal

Mais uma Babel provoca

Satã se exalta na toca

É outra guerra mundial!

5.

Todo o  Mundo está sofrendo

Ninguém a paz merecendo

Padece a Plebe doente

Essa atroz enfermidade

Atinge campo e cidade

Se salva só Pouca Gente

                                                            Então Satã,  o Maldito 

                                                            Passa a ser chamado Mito

 Após a criação desta crueldade, o Maligno fica satisfeito e também descansou no 7˚ dia. Lembrou-se de Belzebu, que andava sumido. Ele estava…

6.

Belzebu foi candidato

Acompanhou-o Dinato

Como cabo eleitoral

Ganhou eleição no tapa

Num país fora do mapa:

Deputado Federal

7.

Seus asseclas no plenário 

Em tosco vocabulário

Indicam a cloroquina

`”Essa gripe vai passar

E o emprego vai voltar

Não precisa de vacina”

8.

E sempre mais ele quer

Para adular Lúcifer

E o chefe ficar contente

Já pensando em vinte e dois  

Não vai deixar pra depois

Vai querer ser presidente

9.

Pois dessa demagogia

O eleitor se convencia

E aplaudia esse coveiro

Perde a visão e não sente

Belzebu é tão-somente 

Lobo em pele de cordeiro

10.

Justiça ali foi comprada

Inquéritos dão em nada

E a corrupção avança 

Gênio do Mal incentiva

Quanto maior a ofensiva

Mais merece a confiança

                                                                     Maioria de Zé-ninguém

                                                                     A exclamar amém, amém 

 Cheirando a enxofre e  soltando fumaça pela venta, Dinato envia mensagem ao Inferno, em Diabês e por whatsapp, pois os demônios também criaram sua rede social, como foi dito anteriormente.

11.

Ao relatar esses atos 

Dinato descreve os fatos

Ao severo comandante 

Como servo submisso 

Assume outro compromisso

Que todos males suplante

Ora…

12.

Espírito do Mal

Punha fogo num jornal

Que defende o isolamento

Ao receber as notícias

Reviveu suas malícias 

Desde após seu nascimento

Belzebu estabelecido, resolveu transferir Dinato

13.

Dinato está secretário   

De outro terrível sectário

O medonho Belfigor

Formado em Economês

É no exército diabês 

Chefe do Estado-Maior

14.

Belfigor não dá moleza

Só deixa mal e tristeza

Por onde ele vai ou vem

Criou a gripe espanhola

Na África foi o ebola

E mais a dengue também

15.

Serrilhados são seus dentes 

Língua igual a das serpentes

Destruiu Funai e Ibama

E tal como um falso amigo

Deixou sem tanga e abrigo

Os índios de Pindorama

                                                                    Os  Zé-ninguém num só grito

                                                                    Repetem é Mito, é Mito

 16.

Foi sem qualquer cerimônia 

Que desmatou a Amazônia

E queimou o Pantanal

Pôs o Rio em corda bamba

Sem praia, turismo e samba

Predou o parque industrial

17.

Cai o ministro da saúde 

Dizendo fiz o que pude

E o que fez foi tudo errado

Militar incompetente

Em vez de marchar pra frente

Tornou-se um pobre soldado

18.

O povo do bem se espanta

Horrorizado com tanta

Falta de entendimento

A política interna

E a diplomacia externa

Vivem seu pior momento

19.

Se falar na Educação

Ou no aumento da inflação

Lúcifer dana a sorrir 

Mas nem tudo está perdido

Se cuida, Anjo-Caído 

Seu final está por vir

                                                 Também a defenestrá-lo

                                                 Tem torcedores do Galo

 Deixemos por ora Belfigor a espalhar destruições e maldades. Vejamos o que ocorre durante a praga do Coronavírus.

No Inferno

20.

Do mal essa correnteza

Sofre uma dura surpresa

A capetada adoeceu

O pulmão arde no peito

Alta febre sem respeito

Corona aconteceu!

21.

Comprada em algum lugar

Belzebu lhes foi levar

A vacina antifebril

Satanás lhe fica grato

E afirma ser candidato

Nas eleições do Brasil

                                                     Mas seu discurso declina

                                                     Por ser contrário à vacina

E na Terra

22.

Provocando um frenesi

Instalou-se a CPI

Como o sol no amanhecer

Será como pó-de-mico

Pra tudo quanto é milico

Que fugiu do seu dever

23.

Todo o  Mundo se apresenta

Com a fé que afugenta

Qualquer demonização

`Esteja onde estiver

Vade-retro Lúcifer

Volte à sua escuridão!`

24.

A cura ainda demora

Não é hoje nem agora

Depende de mais cuidado

Pois o Tinhoso não dorme

Quer que Ninguém se informe

E ande Todo o Mundo armado

25.

Não há mal que sempre dure

Sempre surge algo que cure

Homem, mulher e criança

Com enorme competência 

Está trazendo a ciência

O mais verde da esperança

26.

São anjos de asa branca

Que entram em guerra franca

Contra o corona mortal

Dia e noite, noite e dia

Levam a luz que alumia

Os doentes do hospital

27.

Profissionais da saúde 

Tornam-se heróis na atitude

Contra os ardis de Satã

Todo o mundo então proclama

Dois nomes de muita fama:

Fio Cruz e o Butantan 

28.

Que luta, meu Deus, que luta!

Aqui estão em disputa

Bem e o Mal outra vez

E Ninguém fica de fora

Do Cão chegará a hora

De pagar pelo que fez

29.

E o pagamento será

Da pior forma que há

Por ser tão incompetente

E o comando tão bisonho:

Pode acordar do seu sonho

De querer ser presidente

30.

Não passa Mefistófeles

Nada mais do que um reles

E desmiolado bufão

Quando passar este inverno

Ele voltará pro inferno

De volta virá o verão.

Após essa cruenta batalha, conclui-se mais uma etapa da Farsa, mandando recado ao Coisa-Ruim e seus asseclas,  que devem estar chorando pitangas com os chifres derretendo e os rabos entre as pernas

31.

Com ciência e muita fé

Ninguém virou jacaré

Arma nunca é solução

Lúcifer foi derrotado

E perdeu o eleitorado:

Vacina é a salvação!

                                                             Mais uma vez tá provado

                                                             Será o candidato errado

32.

Quanta energia perdida

Na terra bem protegida

O vírus vai pro bueiro

Após tanto reboliço

Satanás viu que o feitiço

Virou contra o feiticeiro.

(Laus Deo)   

ACEITA SER MANIPULADO: TENHA ÓDIO DE POLÍTICA!

freibetto.org

Frei Betto

       Há uma tradicional maneira de caçar ratos: basta colocar um pedaço de queijo dentro de uma armadilha. O roedor sente o cheiro da iguaria e, ágil, corre para devorá-la. Ao se aproximar, comete um erro involuntário que lhe custa a vida: pisa no mecanismo que fecha, automaticamente, a ratoeira, aprisionando-o.

       É o que faz o populismo de direita para neutralizar potenciais adeptos das teses progressistas. Apregoa o ódio à política. Alardeia que todos os políticos são corruptos! (Inclusive seus adeptos…). Substitui as pautas sociais pela de costumes. Reforça o moralismo farisaico. Assim, convence muitas pessoas a ter aversão à política.

       Quem tem ódio da política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é que tenhamos bastante nojo da política para, então, dar a eles carta branca para fazerem o que bem entenderem. O que mais temem é que participemos da política para impedir que seja manipulada por eles.

       Não existe neutralidade política. Existe a doce ilusão de que podemos ignorar a política, abdicar do voto e ficar recolhido ao nosso comodismo. Ao agir desta forma, nos tornamos o rato que come tranquilamente o saboroso queijo, sem ainda se dar conta de que perdeu a liberdade e, provavelmente, a vida.

       Ninguém escapa dos dois únicos modos de fazer política: por omissão ou participação. Ao ficar alheio à conjuntura política, ignorar o noticiário, evitar conversas sobre o tema e nos abster nas eleições, assinamos um cheque em branco à política vigente. A omissão é uma forma de adesão à política e aos políticos que, no momento, dirigem a política do país no qual vivemos. 

       O outro modo é a participação, que tem duas faces: a dos que apoiam a política vigente e a dos atuam para mudá-la e implantar um novo projeto político.

       As forças políticas de direita, que naturalizam a desigualdade social, acusam muitos políticos de corruptos (às vezes, com razão!). Mas não propõem ignorarmos a política. Propõem substituir os políticos por empresários, dentro da lógica capitalista de privatização do espaço público e do Estado. Foi o caso do governo fracassado de Macri, na Argentina, e de muitos outros exemplos mundo afora.

Em tudo há política

       A política não é tudo, mas em tudo há política. Desde a qualidade do café que tomamos todas as manhãs até as condições humanas (ou desumanas) de nossas moradias. Tudo na vida de cada um de nós depende da política vigente no país: a qualidade de nossa educação escolar, o atendimento à saúde, a possibilidade de emprego, as condições de saneamento, transporte, segurança, cultura e lazer. Não há nenhuma esfera humana alheia à política. Inclusive a natureza depende dela – se as florestas são ou não preservadas, se as águas são ou não contaminadas, se os alimentos são orgânicos ou transgênicos, se os interesses do capital provocam ou não desmatamentos e desequilíbrio ambiental. A qualidade do ar que respiramos depende da política vigente. 

       Um dos recursos que a direita utiliza para dominar a política é a manipulação da religião, em especial no continente americano, onde a cultura está impregnada de religiosidade. A modernidade logrou estabelecer uma saudável distinção entre as esferas política e religiosa. Isso após longos séculos de dominação da política pela religião. Hoje, em princípio, o Estado é laico e, na sociedade, a diversidade religiosa é respeitada e tem seus direitos assegurados, tanto no âmbito privado (crer ou não crer), quanto no público (manifestação de culto).

       Atualmente, os religiosos fundamentalistas querem confessionalizar a política. Usar e abusar do nome de Deus para enganar os incautos. Ora, nem a política deve ser confessionalizada, pois tem que estar a serviço de crentes e não crentes, nem a religião deve ser partidarizada. A Igreja, por exemplo, deve acolher todos os fieis que comungam a mesma fé e, no entanto, votam em candidatos de diferentes partidos políticos.

       Isso não significa que a religião é apolítica. Não há nada nem ninguém apolítico. Uma religião que acata a política vigente está, de fato, legitimando-a. Toda religião tem como princípio básico defender o dom maior de Deus – a vida, tanto dos seres humanos quanto da natureza. Se um governo promove devastação ambiental ou privilegia os ricos e exclui os pobres, é dever de toda religião criticar este governo. Sem pretender ocupar o espaço dos partidos políticos, como, por exemplo, apresentar um projeto de preservação ambiental ou de reforma econômica. Em sua missão profética, cabe às confissões religiosas abrir os olhos da população para as implicações éticas da política deletéria do governo. 

       No caso dos cristãos, entre os quais me incluo, é sempre bom frisar que somos discípulos de um prisioneiro político, Jesus de Nazaré. Ele não morreu de acidente nas escadarias do Templo de Jerusalém, nem de doença na cama. Foi perseguido, preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a morrer assassinado na cruz. Foi considerado subversivo por defender os direitos dos pobres e ousar, dentro do reino de César, propor outro reino, o de Deus, que consiste em um novo projeto civilizatório baseado no amor (nas relações pessoais) e na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano (nas relações sociais).

       Portanto, não há como alguém escapar da política. Estamos todos imersos nela. Se a política que predomina hoje em nosso país e no mundo não nos agrada, busquemos meios para alterá-la. A realidade atual de nosso país e do mundo resulta da política adotada nas décadas precedentes. Cabe a cada um de nós se decidir: acatar ou transformar? 

       Um dos exemplos mais curiosos de que tudo tem a ver com a política é este: o último mês do ano é dezembro, que equivale ao numeral dez. Antes dele, novembro, nove. Atrás, outubro, oito. Precedido por setembro, sete.  E quantos meses tem o ano? Doze! 

       Eis a política: na Roma antiga o ano compreendia 304 dias e tinha 10 meses: martius, aprilis, maius, junius, quintilis, sextilis, september, october, november e december. Mais tarde foram acrescidos os meses de janus e februarius.

       Para homenagear os césares, o senado romano mudou os nomes de quintilis para julho, em honra do imperador Júlio César, e sextilis para agosto, em honra de César Augusto.  Como havia a alternância de 31/30 nos dias de cada mês, não era admissível que o mês de Augusto tivesse um dia a menos que o de Júlio. Assim, arrancou-se um dia de fevereiro. Julho e agosto são os únicos dois meses do ano que se sucedem com 31 dias cada um. 

       Podemos não saber que a política está em tudo, mas está. Porque o ser humano não inventou, e acredito que nem inventará, outra maneira de organizar a sua convivência social a não ser através da política.

Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

helinho e a trupe do helinho

beto vianna

no filme get back, paul e john reclamam da viagem dos beatles à índia. dizem que “não eram eles mesmos”. george solta essa: “a piada é que, se vocês fossem vocês mesmos, não seriam o que são agora”. conhecer helinho e sua trupe – soraya, maru, izabel, zezinho, fernando, ronaldo – com licença pra brincar o teatro com a trupe, pra ser outra coisa, muitas outras coisas, no espaço dionisíaco, e portanto, rigorosamente verdadeiro, da arte da trupe, foi determinante de tudo que eu possa ser agora.

belo horizonte, 1989, brasileirinho versus mister mídia. helinho e a trupe do helinho botaram arte, política e rua na epigênese da candidatura de leonel brizola à presidência da república federativa do brasil. helinho acrescentou aos seus muitos metros de altura dramática, 20 polegadas a mais de tv, sintonizando a própria imagem, verossimilhança e som em playback, ó, tempos de vhs. transmutante em ator de tv, o hélio-híbrido cibernético-zolini impersonava em tecnicolor o televilão mister mídia, maléfico impositor de alternativas políticas à alegria, arqui-inimigo do prazer (e da dor que também somos, como ensinou darcy), nêmesis do carnaval, do delírio, da comida, da casa, do trabalho, da educação e da arte. só hélio era sol e tamanho pra ser mister mídia. só a um gigante gentil foi permitido atuar vertiginosamente pelo precipício da ignomínia que a direita, toda eleição, todo ano, todo santo dia, como uma fênix sem brilho e sem pena, reinventa. mister mídia é o interminável renascer do “lado doutor, fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens”, como já manifestara Osvaldo em 22. 

botar o coração e a cabeça de helinho dentro do mister mídia – o canal e o aparelho da direita – era explodir de-dentro-pra-fora, de bombamor, de bomba cômica, o meio e a mensagem da canalha. no andar de baixo do cenário, que é a calçada, ou o balcão de um bar de esquina, o trio brasileirinho (um malasartes-capitão rodrigo, ou só rodrigo, de carcomida que é hoje a patente) e duas musas de teatro de revista (carmen e josephine, clementina e pina, isadora e cacilda, leila e alicia, elis e luz) duelam com mister mídia empunhando a palavra-cantada, a palavra-encenada e a palavra-dançada. nos bastidores do nosso lado, um cineasta, um jornalista, um brandão e um artista plástico. nos bastidores do lado deles, eles mesmos, a direita.

o brasil é saboroso e terrível, mas a mim, pessoalmente, e envergonhadamente, o brasil sempre sabe mais saboroso que terrível. por isso, vale viver. esse olho-ouvido torto, que turva de ver fome e enganação, e vibra de escutar samba e roquenrol, foi o presente ainda presente que ganhei do helinho e da trupe do helinho. e também por isso, vale viver. 

ronaldo, soraya e helinho mereciam só ter morrido depois de termos vencido.

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Noivinha do Aristides

A novinha do Aristides

Inúmeros órgãos e entidades ligados à saúde pública cobram do governo federal a exigência de apresentação do certificado de vacinação aos passageiros que chegam ao Brasil. Entre eles, e com insistência desde o dia 12 de novembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Hoje, vários estados e municípios já exigem o certificado para várias atividades públicas. No Rio, até para hotéis. Com a chegada da nova variante ômicron, a pressão junto ao governo aumentou. A medida ainda não foi adotada porque o presidente cabeça dura é contra. E não é só por ser negacionista. Se aprovada a exigência do certificado, ele poderia ser barrado quando voltar ao Brasil de uma viagem ao exterior. Ou teria de admitir que, escondido de seu bando, tomou as três doses. O Brasil, felizmente, é muito maior do que bolsonaro e a recomendação da Anvisa deve ser adotada nos próximos dias.

Antes da chamada 4ª onda da covid, vários países já haviam flexibilizado a entrada de brasileiros. Como os EUA, o Canadá acaba de “aceitar” brasileiros vacinados com as duas doses da coronavac. Mesmo os cidadãos canadenses que, fora do Canadá, tomaram a coronavac estavam proibidos de retornar ao país. Foi o meu caso. Tenho a dupla cidadania há mais de 20 anos e sou editor de uma revista em Toronto. Mesmo assim, tive de adiar por três vezes a minha viagem de trabalho. Não deixei por menos e escrevi um artigo na revista Brazilian Wave. A matéria, publicada em português, inglês e francês, levou o título “Canadá discrimina cidadãos canadenses”.

No Brasil, o ano parece não querer terminar. Além da última bobagem do bolsonaro (tem sempre uma), a corrida pela presidência ganha novos contornos. O ex-juiz de Maringá, suspeito e incompetente como decidiu o Supremo Tribunal Federal, lança sua candidatura e começa a receber mimos de certa imprensa. Em seu discurso, defendeu criar no Brasil um tribunal de exceção e citou como exemplo a Ucrânia. Para conquistar o eleitorado de extrema-direita, o juiz suspeito e incompetente se apresenta como o verdadeiro bolsonaro da campanha de 2018. Sua mulher, Rosângela Moro, já havia declarado, em fevereiro de 2020, que bolsonaro e moro são “uma coisa só”. O presidente deve conhecer bem o seu ex-ministro. Ontem, ele declarou que o moro é “mentiroso, palhaço e sem caráter”.

No legislativo federal, senado aprova a PEC dos precatórios e a indicação do André Mendonça. Com os bilhões dos precatórios, bolsonaro espera manter o segundo lugar na disputa presidencial de 2022. Já o pastor-juiz, com nova cabeleira, deixou de ser terrivelmente evangélico como queria seu patrão. Para conquistar o posto, agora é favor do casamento gay e nada de prece no Tribunal. Não sei se o prometido almoço semanal com o presidente será mantido.

O PSDB, antes de afundar de vez, lança o ex-Bolsodória como um possível Morodória. Tem também as pesquisas. A última aponta o índice mais baixo de aprovação do governo bolsonaro: 19%. A Globo coloca no ar uma nova identidade visual. Sai o verde e amarelo e entra violeta e vermelho. No gramado, as vitórias do Deca rumo à Libertadores e o merecido bicampeonato do Galo. E ainda faltam 29 longos dias para o fim de 2021. Haja coração e vacina.

Em tempo: foto do casamento de Aristides Bertual, político e piloto de corrida gaúcho, com sua noivinha Elmira Roveda (1943).

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O vírus é um animal político (e nós, estamos preparados para negociar?)

Nelson Vaz – montvaz@ufmg.br

Luiz Andrade – labauff@yahoo.com.br

Beto Vianna – btvianna@gmail.com

O dilema das ruas 

No último dia 29 de maio, um sábado, centenas de milhares de pessoas ocuparam ruas e praças em atos contra o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Entre as pautas mais destacadas do 29M, o protesto contra as políticas nacionais de enfrentamento da pandemia (ou a falta delas), cobrando mais vacinação, o aumento do valor do auxílio emergencial, e a responsabilização, ou o impedimento, do presidente. O movimento se estendeu por 200 cidades brasileiras, de todas as unidades federativas, e outra dúzia mundo afora. Cada capital reuniu dezenas de milhares de pessoas, chegando a 80 mil em São Paulo, com pouco ou nenhum confronto, à exceção do Recife, onde a Polícia Militar de Pernambuco se lançou criminosamente sobre os manifestantes. Em um balanço dos organizadores, fala-se em 450 mil pessoas no total, número macabramente próximo do saldo de vítimas da COVID-19 no Brasil, naquele momento. “Se o povo vai às ruas protestar em plena pandemia…”, como se lia nos cartazes empunhados, “… é porque o governo é mais perigoso que o próprio vírus”. Sim, a justificativa é impecável, mas, claramente, há um dilema, aqui. Estávamos, como ainda estamos, no olho do furacão da crise sanitária. Mesmo tomando as melhores precauções, como se tomou (o uso e a distribuição de máscaras e álcool em gel, e os esforços de se manter algum distanciamento), juntar tanta gente, em tantos lugares do país, é um reforço à linha de transmissão do SARS-CoV-2. 

O dilema se impõe, sem deixar de ser dilema, pois os esforços do governo federal e de seus aliados, protagonizados pelo próprio presidente, sempre visaram facilitar a disseminação do vírus, seja abertamente, na defesa da imunidade de rebanho, ou matizados por argumentos econômicos (“a fome mata mais que o vírus”), psicológicos (a febre da cabana), ou francamente delirantes, como atribuir a origem da pandemia a uma manobra geopolítica de bastidores. A estratégia do governo foi documentada em um recente relatório do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitários, da USP (CEPEDISA, 2021), entregue à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a pandemia. É inevitável pesar o 29M no contexto das manifestações promovidas e estimuladas por Bolsonaro, que respiram negacionismo cientifico no discurso e na própria dinâmica dos atos: minimização da doença, ataques ao isolamento, ao uso de máscara e às vacinas, e por outro lado (com efeitos idênticos no mau comportamento coletivo), estimulo ao uso de drogas milagrosas. Como disputar as ruas com o negacionismo, se as ruas são seu palco preferencial? Gostaríamos de estender essa pergunta para uma arena similar, que é o debate político em ciência (ou, se se quiser, o debate científico na política): como questionar o afazer científico, como pensar as consequências (públicas) do que fazem e dizem os cientistas, em um momento em que a autonomia das ciências tem sido o alvo preferencial do governo?

O fato é que, a despeito da gritaria bolsonarista contra a ciência, não entendemos, com raríssimas exceções, o mecanismo de doenças infecciosas agudas e crônicas. Em suma, ainda não entendemos a COVID-19. O contágio com o SARS-CoV-2 é necessário, mas não suficiente, para resultar na doença grave, que surge preferencialmente, mas não apenas, em idosos e pessoas debilitadas por comorbidades. As crianças parecem particularmente resistentes aos sintomas respiratórios graves, mas, em pequena porcentagem, são afetadas por outro tipo de patologia inflamatória. Não entendemos ainda a que isso se deve. Podemos repetir, transposto para o vírus, o que disse o patologista alemão Carl Weigert em meados do século dezenove: as bactérias podem ser a causa, mas não são a explicação, das doenças infecciosas. Como corolário dessa lacuna em nosso conhecimento, é preciso reconhecer que tampouco entendemos plenamente como as vacinas funcionam. O que é bem diferente de, como fazem os arautos da desinformação, colocar em questão a eficácia geral das vacinas que temos hoje, à nossa disposição, na corrida para a diminuição de casos graves de COVID-19. Ao lado do entendimento precário da relação de nossos corpos com o vírus, não é sensato pensarmos a vacinação, e junto com ela, a metáfora da imunização – a blindagem individual de nossos corpos contra um invasor externo – como a solução para as causas ou para os efeitos da pandemia. O buraco em que nos metemos é sistêmico, tem escala global, e não se trata, nem de longe, de uma guerra contra o vírus.

Onde foi parar o organismo? 

Ainda não entendemos as doenças infecciosas, porque não entendemos ainda a natureza dos seres vivos. Na imunologia, o organismo é apenas o lugar ou a dimensão em que se dão as respostas imunes à invasão de materiais estranhos. Durante 40 anos, um de nós (Nelson Vaz) teve o privilégio de compartilhar ideias sobre esses problemas com o biólogo chileno Humberto Maturana, recentemente falecido. Em uma troca de e-mails, em maio de 2018, conversando sobre o mecanismo de doenças infecciosas, Maturana disse: “Lembre-se de que não são nem os antígenos, nem os próprios anticorpos, que levam à recuperação da saúde, mas a recuperação da contínua realização da harmonia da autopoiese molecular.” Maturana e Vaz tentavam escrever juntos um texto que aplicasse à imunologia as ideias sobre a biologia do conhecer e a linguagem (MATURANA, 2002). Com a delicadeza que lhe era característica, Maturana esperava que Vaz entendesse, em seus próprios termos, o que isso significa. Mas como falar aos colegas imunologistas sobre “harmonia da autopoiese molecular” se, com raras exceções, eles estão todos empenhados em entender a regulação de respostas imunes específicas?

O sistema imunológico de que falam os imunologistas sequer é um sistema, no sentido mais aceito deste termo. Sistemas são entidades compostas que mudam sem se transformar em outra coisa, sem mudar de identidade de classe. O sistema imunológico oficial é um aglomerado de linfócitos e produtos moleculares de linfócitos, como anticorpos e citocinas. Não é um sistema, porque sistemas derivam sua identidade das conexões entre seus componentes. Assim descrito, como um conjunto desarticulado de clones linfocitários, o sistema imunológico oficial como que habita o organismo, e o defende, mas não pertence a ele, porque não o contacta fisiologicamente. Os contatos mais frequentes e mais abundantes com materiais imunogênicos se dão com proteínas dos alimentos e produtos de uma imensa microbiota nativa. Em animais sadios, esses contatos não resultam em respostas imunes progressivas, como as que se observam nas doses “de reforço” das vacinas. O corpo não desenvolve uma “memória imunológica” de sua comida e dos micróbios que traz sobre a pele e as mucosas, e com os quais convive em harmonia. Mas o corpo não ignora esses antígenos: ativa linfócitos e produz anticorpos que reagem com os mesmos, mas não o faz de maneira progressiva. Estabelece patamares de reatividade que são robustamente mantidos durante todo o viver sadio, embora o corpo troque continuamente de linfócitos por outros que lhes são equivalentes.

Essa estabilidade robusta da atividade imunológica natural se manifesta em padrões de reatividade que podem ser visualizados e estudados tanto em imunoglobulinas “naturais”, ou seja, que são produzidas espontaneamente pelo corpo, como em repertórios de linfócitos T. Sem conhecer a natureza destes padrões, como eles se formam e o que significam, não saberemos sequer quais perguntas devemos fazer. Esses padrões se alteram de maneiras não aleatórias durante doenças infecciosas graves, doenças alérgicas e autoimunes. A maneira de estudar esses padrões, é expor as imunoglobulinas naturais ou os linfócitos T a misturas de muitos antígenos, aqui tratados meramente como “ligantes”, ou seja, de uma forma inespecífica, que não busca identificar “anticorpos específicos”, e sim analisar o conjunto complexo de atividades que resulta nos padrões observados. A conservação e as alterações destes padrões são aquilo que Maturana apontava ao se referir à harmonia da autopoiese molecular. Quando propriamente definido, o sistema imunológico será visto como um subsistema de organismos vertebrados, composto por linfócitos e produtos de linfócitos que se voltam sobre si mesmos, isto é, que exibem uma organização invariante a despeito de contínuas mudanças estruturais. 

Organização e estrutura são dois termos propostos por Maturana e Varela (1984) para se referir à estabilidade e a mudança característica de sistemas dinâmicos, entre os quais se destacam os seres vivos. Devemos a Jorge Mpodozis um pensamento notável, usado como epígrafe em um pequeno livro que ele escreveu com Nelson Vaz e outros autores (VAZ et al, 2011): 

Há plasticidade nos modos de desenvolver. Os caminhos do desenvolvimento têm plasticidade em todos os momentos, e isso é o que permite essa maravilhosa diversidade de linhagens de seres vivos. Mas o problema não é o que é plástico, e sim o que se conserva. Se a mudança é uma condição constitutiva do viver, então, como se conserva aquilo que se conserva?

Respostas imunes específicas medem aquilo que o imunologista deseja medir, na suposição de que a reatividade imunológica seja específica (VAZ, 2011). Nesse modo de ver, as vacinas seriam comandos bioquímicos, a que o corpo obedece formando anticorpos e ativando linfócitos específicos. O corpo, no entanto, não obedece! O corpo faz a si mesmo, mantém sua autopoiese molecular. Há situações excepcionais nas quais se formam anticorpos específicos suficientes para impedir a chegada de determinadas toxinas ou vírus a receptores celulares. Felizmente, isso ocorreu na COVID-19, e a infecção pelo SARS-CoV-2, ou o desenvolvimento de quadros graves, pode ser evitada pela vacinação. Em múltiplas outras situações, tentativas similares falharam. Um exemplo notável é a busca por uma vacina anti-HIV para a prevenção da AIDS.

Os invasores de corpos

Muito antes do surgimento da atual crise pandêmica, tanto nas universidades e institutos de pesquisa, como na indústria farmacêutica, havia muita pesquisa em curso sobre vírus e sobre vacinas. O aclamado sucesso das vacinas de mRNA, como a Pfizer-BioNTech, a Moderna e a chinesa Walvax (ainda em promissora terceira fase de testes), deveu-se a pesquisas básicas sobre imunizações com RNA e DNA realizadas há décadas. Apesar disso, apenas uma pequena parte do mecanismo de funcionamento das vacinas, bem sucedidas ou não, é conhecida. A imensa maioria das tentativas de se criar novas vacinas está destinada ao fracasso, e ainda se trabalha por tentativa e erro, exatamente como Pasteur fazia há um século e meio. Sem dúvida, ciência e tecnologia estão entrelaçadas neste propósito, mas a vacinação é uma vitória muito mais tecnológica, que cientifica. A vacina contra a varíola, a primeira a ser inventada, foi o maior benefício já criado pela medicina. Calcula-se que a varíola tenha matado, desfigurado e cegado mais de 600 milhões de pessoas antes que a vacina se tornasse disponível. Mas quando a vacina começou a ser utilizada em larga escala, nada sabíamos da existência de micróbios e vírus, e muito menos de anticorpos. Entender o que acontece parece secundário, desde que vacinação funcione. A busca de explicações pela prática científica é mais difícil porque não traz resultados imediatos. Em vez de gerar dinheiro, a pesquisa científica requer investimentos e seus resultados são incertos. Os financiadores da ciência, sejam eles oficiais ou privados, são geralmente mal informados sobre o que se passa, e a face mais visível dos problemas é mais tecnológica que científica. Assim, apesar de considerarmos a imunologia como a ciência por excelência por trás das pesquisas, o debate que inundou a mídia e as redes sociais desde o anúncio da pandemia, é mais propriamente uma vacinologia, que imunologia. 

A pandemia tem sido encarada como uma emergência biopolítica em si mesma, que deve ser enfrentada com estratégia militar: uma guerra contra um agente invasor, em que o novo coronavírus é o inimigo, e as vacinas, as nossas armas. Não é sensato ver os vírus como invasores acidentais de nossos corpos. As partículas biológicas mais comuns na natureza são vírus. A água limpa dos oceanos está repleta de vírus, como os bacteriófagos, que infectam bactérias marinhas. Há milhares de vírus associados a todo e qualquer ser vivo, inclusive, claro, os humanos. Em certos animais, como os morcegos, de que existem mais de mil linhagens, as condições anti-inflamatórias que compensam extensas lesões celulares criadas durante o vôo, são propícias a abrigar, harmoniosamente, vários tipos de vírus, incluindo muitos coronavírus. Mesmo em humanos, e no caso específico da COVID-19, sabemos que há casos assintomáticos, ou seja, pessoas que podem conviver por muito tempo em harmonia com o vírus, sem nem mesmo saber que foram contagiadas, transmitindo-o para outras pessoas. Esse carácter furtivo da infecção pelo SARS-CoV-2 dificulta o controle epidemiológico por isolamento social.

A linhagem humana levou 400 mil anos para atingir o primeiro bilhão de habitantes e, no século seguinte, gerou outros 6 bilhões, uma verdadeira explosão. Com o viver desarmônico que levou à destruição do ambiente natural e à extinção de múltiplas espécies, à crise do clima e a contaminação por microplásticos, estes problemas se entrelaçam com o “transbordamento” de vírus e bactérias que vivem em harmonia nos animais silvestres. Vacinas e isolamento social são medidas importantes, mas se destinam a combater sintomas desta situação. Os esforços de retomada de nosso viver em um “novo normal” contemplam a retomada de um curso nitidamente suicida, e não as mudanças radicais de conduta necessárias a frear minimamente estes problemas gigantescos, ou, como lembra Ailton Krenak (2020) “adiar o fim do mundo”. No caso da vacinação, é importante que ela não tome emprestada a racionalidade subjacente à defesa do uso de drogas (a hidroxicloroquina e a Ivermectina são as personagens clássicas), elevadas, contra todas as evidências, à condição de tratamento precoce da COVID-19. O resultado de manifestações públicas como a de Donald Trump, incentivando o uso desses fármacos, replicado até hoje nas redes bolsonaristas e no discurso oficial do governo brasileiro, é uma disposição coletiva autodestrutiva, que vê, na ingestão de balas mágicas, a alternativa a mudanças comportamentais tidas como difíceis ou ameaçadoras, seja à liberdade individual, seja a uma imaginada tradição cultural. 

Sim, devemos tomar as vacinas, e apoiar a vacinação em massa. O fato de nos posicionarmos firmemente contra o negacionismo científico, não deve, no entanto, impedir o questionamento incessante que, de resto, não é estranho à prática científica. As ciências podem e devem ser mais debatidas (portanto, politizadas), assim como a (boa) prática política convida à maior compreensão dos fenômenos por parte da população, que pode, assim, se engajar de forma qualificada no debate público (desasnar, como dizia Darcy Ribeiro). Justamente por estarmos diante de um obscurantismo pernicioso, os cientistas precisam ser convidados a se sentar à mesa como interlocutores produtivos, com toda a sua experiência de articular procedimentos e fenômenos, e não como uma casta de tradutores privilegiados da natureza. Uma analogia pode ser útil. O antropólogo Clifford Geertz (1984) lembra que, no contexto do macarthismo, nos EUA, criou-se o conceito de “anti anti-comunismo”. Ou seja, sem implicar, necessariamente, uma adesão a teses marxistas, era preciso confrontar a ignorância e a perversidade da caça às bruxas: denunciar o perigo real de se combater um perigo imaginário. Na mesma lógica, propomos o conceito isomórfico de anti anti-vax. E como Geertz, lembramos que se trata de uma semelhança formal. Os partidários anti-vacina não são, por extensão, anticomunistas (mesmo que alguns, de fato, o sejam). O que está em jogo é nos posicionarmos contra a disseminação de notícias fantasiosas, mal fundamentadas, e, sobretudo, perigosas para a população, e, ao mesmo tempo, podermos discutir abertamente as abordagens dos cientistas e as políticas públicas de saúde, tanto no que diz respeito às dinâmicas imediatas do organismo (em seu encontro com o vírus) quanto o caráter global, sistêmico, e de responsabilidade coletiva, da pandemia. 

Animais políticos

Em sua Política, Aristóteles fez a famosa declaração de que “o homem [isto é, o humano]  é, por natureza, um animal político”. A afirmação decorre da sugestão de que o espaço do debate público, a pólis, existe por natureza, e, sendo assim, nossa condição de organismos de determinado tipo – um animal – e a ocupação dos espaços de debate, são, ambas, e ao mesmo tempo, naturezas humanas. Podemos aproveitar algo da sugestão de Aristóteles, sem precisarmos restringir essa convergência entre o natural e o social ao dominio do humano. O vírus não é, obviamente, um animal (ou mesmo, um organismo unicelular, diferença elusiva para certos médicos bolsonaristas), mas pensemos o animal, com as devidas licenças poética e política, como uma referência à condição estrutural do vírus, a que atribuímos anima quando ele participa da dinâmica celular. Mas, por isso mesmo, o vírus também tem uma história de encontros com outros organismos, incluindo o humano. E é isso, evidentemente, o que nos interessa, e nos preocupa. Em um cenário como a pandemia, em que nunca agimos sozinhos (seja como cientistas, como atores políticos, ou como humanos), e, portanto, nenhuma solução monocrática é satisfatória, faríamos bem em considerar outros atores como responsáveis, isto é, com capacidade de responder, como efetivamente respondem, ao comportamento dos demais participantes. 

Ainda não sabemos ao certo de que animal – um morcego, o pagolim – o vírus transbordou para corpos humanos, ou se isso se deu em uma área de mata virgem, ou em um tumultuado mercado de Wuhan. Mas não estaríamos alarmados se o vírus não tivesse saído de seu berço de origem e migrado, através de corpos humanos, para outros lugarejos e outros continentes, como continua a fazer, copiosamente. Como ocorre com outros coronavírus, o SARS-CoV-2 é, de vários modos, uma partícula aerotransportada: propaga-se localmente pelo ar, é expelida pelas (e penetra as) vias aéreas dos nossos corpos, e irradia-se globalmente usando a densa rede de linhas aéreas, ou seja, de modernos aviões à jato, que liga em poucas horas os mais distantes pontos do planeta. Tornamo-nos humanos suscetíveis a doenças graves e potenciais veículos de um patógeno poderoso no enconto com o novo vírus, assim como o coronavírus surge e se dissemina em coerência com os modos de vida que conservamos (ou deixamos de conservar). Entre eles, para citar os mais eloquentes, a população vertiginosa (nossa e de nossos agrobiotas), a degradação ambiental em escala planetária, e os avanços na tecnologia de transporte. Assim como nós, humanos, temos uma história (mudamos no encontro com o vírus, a partir de dinâmicas do nosso próprio organismo), o vírus também tem uma história, também surge e muda em resposta às nossas ações, seguindo sua própria deriva estrutural. É preciso deixar de encarar nosso atual modo de vida como inevitável, se o que queremos é evitar respostas dramáticas de outros atores, essas sim, além do nosso controle, como fica escandalosamente claro na pandemia. Certamente virão outras, e a metáfora da guerra não ajuda. É mais prudente sentar à mesa e negociar, de preferência, com disposição para escutar.

Referências

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Edipro, 2019.

CEPEDISA – Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da Covid-19.  Estudo elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil”. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 2021.

GEERTZ, Clifford. Distinguished Lecture: Anti Anti-Relativism. American Anthropologist, 86(2), p. 263-278, 1984.

KRENAK, Aílton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2020.

MATURANA, Humberto; VARELA, Fernando. El Árbol del conocimiento. Las bases biológicas del entendimiento humano. Santiago: Editorial Universitaria, 1984.

MATURANA, Humberto (2002). Autopoiesis, structural coupling and cognition: a history of these and other notions in the biology of cognition. Cybernetics & Human Knowing, 9(3-4), p. 5-34, 2002.

VAZ, Nelson; MPODOZIS, Jorge; BOTELHO, Jorge; RAMOS, Gustavo (eds.). Onde está o organismo?Derivas e outras histórias na Biologia e na Imunologia. Florianópolis: UFSC, 2011.

VAZ, Nelson. The specificity of immunological observations. Constructivist Foundations, 6(3), p. 334-351, 2011.

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Cuba resiste

Um artigo do Frei Betto para quem, realmente, deseja saber um pouco mais sobre Cuba. A matéria foi publicada, originalmente, na revista Carta Maior.

Inferno, purgatório, paraíso.

Frei Betto

       “Poucos ignoram minha solidariedade à Revolução Cubana. Há 40 anos visito com frequência a Ilha, em função de compromissos de trabalho e convites a eventos. Por longo período  intermediei a retomada do diálogo entre bispos católicos e o governo de Cuba, conforme descrito em meus livros “Fidel e a religião” (Fontanar/Companhia das Letras) e “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco). Atualmente, contratado pela FAO, assessoro o governo cubano na implementação do Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional.

       Conheço em detalhes o cotidiano cubano, inclusive as dificuldades enfrentadas pela população, os questionamentos à Revolução, as críticas de intelectuais e artistas do país. Visitei cárceres, conversei com opositores da Revolução, convivi com sacerdotes e leigos cubanos avessos ao socialismo. 

       Quando dizem a mim, um brasileiro, que em Cuba não há democracia, desço da abstração das palavras à realidade. Quantas fotos ou notícias foram ou são vistos sobre cubanos na miséria, mendigos espalhados nas calçadas, crianças abandonadas nas ruas, famílias debaixo de viadutos? Algo semelhante à cracolândia, às milícias, às longas filas de enfermos aguardando anos para serem atendidos num hospital? 

       Advirto os amigos: se você é rico no Brasil e for viver em Cuba conhecerá o inferno. Ficará impossibilitado de trocar de carro todo ano, comprar roupas de grife, viajar com frequência para férias no exterior. E, sobretudo, não poderá explorar o trabalho alheio, manter seus empregados na ignorância, “orgulhar-se” da Maria, sua cozinheira há 20 anos, e a quem você nega acesso à casa própria, à escolaridade e ao plano de saúde.

       Se você é classe média, prepare-se para conhecer o purgatório. Embora Cuba já não seja uma sociedade estatizada, a burocracia perdura, há que ter paciência nas filas dos mercados, muitos produtos disponíveis neste mês podem não ser encontrados no próximo devido às inconstâncias das importações.

       Se você, porém, é assalariado, pobre, sem-teto ou sem-terra, prepare-se para conhecer o paraíso. A Revolução assegurará seus três direitos humanos fundamentais: alimentação, saúde e educação, além de moradia e trabalho. Pode ser que você tenha muito apetite por não comer o que gosta, mas jamais terá fome. Sua família terá escolaridade e assistência de saúde, incluindo cirurgias complexas, totalmente gratuitas, como dever do Estado e direito do cidadão.

       Nada é mais prostituído do que a linguagem. A celebrada democracia nascida na Grécia tem seus méritos, mas é bom lembrar que, na época, Atenas tinha 20 mil habitantes que viviam do trabalho de 400 mil escravos… O que responderia um desses milhares de servos se indagado sobre as virtudes da democracia?

       Não desejo ao futuro de Cuba o presente do Brasil, da Guatemala, de Honduras e ou mesmo de Porto Rico, colônia estadunidense, à qual é negada independência. Nem desejo que Cuba invada os EUA e ocupe uma área litorânea da Califórnia, como ocorre com Guantánamo, transformada em centro de torturas e cárcere ilegal de supostos terroristas. 

       Democracia, no meu conceito, significa o “Pai nosso” – a autoridade legitimada pela vontade popular -, e o “pão nosso” – a partilha dos frutos da natureza e do trabalho humano. A rotatividade eleitoral não faz, nem assegura uma democracia. O Brasil e a Índia, tidas como democracias, são exemplos gritantes de miséria, pobreza, exclusão, opressão e sofrimento. 

       Só quem conhece a realidade de Cuba anterior a 1959 sabe por que Fidel contou com tanto apoio popular para levar a Revolução à vitória. O país era conhecido pela alcunha de “prostíbulo do Caribe”. A máfia dominava os bancos e o turismo (há vários filmes sobre isso). O principal bairro de Havana, ainda hoje chamado de Vedado, tem esse nome porque, ali, os negros não podiam circular… 

       Os EUA nunca se conformaram por ter perdido Cuba sujeita às suas ambições. Por isso, logo após a vitória dos guerrilheiros de Sierra Maestra, tentaram invadir a Ilha com tropas mercenárias. Foram derrotados em abril de 1961. No ano seguinte, o presidente Kennedy decretou o bloqueio a Cuba, que perdura até hoje. 

       Cuba é uma ilha com poucos recursos. É obrigada a importar mais de 60% dos produtos essenciais ao país. Com o arrocho do bloqueio promovido por Trump (243 novas medidas e, até agora, não removidas por Biden), e a pandemia, que zerou uma das principais fontes de recursos do país, o turismo, a situação interna se agravou. Os cubanos tiveram que apertar os cintos. Então, os insatisfeitos com a Revolução, que gravitam na órbita do “sonho americano”, promoveram os protestos do domingo, 11 de julho – com a “solidária” ajuda da CIA, cujo chefe acaba de fazer um giro pelo Continente, preocupado com o resultado das eleições no Peru e no Chile. 

       Quem melhor pode explicar a atual conjuntura de Cuba é seu presidente, Diaz-Canel: “Começou a perseguição financeira, econômica, comercial e energética. Eles (a Casa Branca) querem que se provoque um surto social interno em Cuba para convocar “missões humanitárias” que se traduzem em invasões e interferências militares.”

       “Temos sido honestos, temos sido transparentes, temos sido claros e, a cada momento, explicamos ao nosso povo as complexidades dos dias atuais. Lembro que há mais de um ano e meio, quando começou o segundo semestre de 2019, tivemos que explicar que estávamos em situação difícil. Os EUA começaram a intensificar uma série de medidas restritivas, endurecimento do bloqueio, perseguições financeiras contra o setor energético, com o objetivo de sufocar nossa economia.  Isso provocaria a desejada eclosão social massiva, para poder apelar à intervenção “humanitária”, que terminaria em intervenções militares”. 

       “Essa situação continuou, depois vieram as 243 medidas (de Trump, para arrochar o bloqueio) que todos conhecemos e, finalmente, decidiu-se incluir Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo. Todas essas restrições levaram o país a cortar imediatamente várias fontes de receita em divisas, como o turismo, as viagens de cubano-americanos ao nosso país e as remessas de dinheiro.  Formou-se um plano para desacreditar as brigadas médicas cubanas e as colaborações solidárias de Cuba, que recebeu uma parte importante de divisas por essa colaboração.”

       “Toda essa situação gerou uma situação de escassez no país, principalmente de alimentos, medicamentos, matérias-primas e insumos para podermos desenvolver nossos processos econômicos e produtivos que, ao mesmo tempo, contribuam para as exportações. Dois elementos importantes são eliminados: a capacidade de exportar e a capacidade de investir recursos.” 

       “Também temos limitações de combustíveis e peças sobressalentes, e tudo isso tem causado um nível de insatisfação, somado a problemas acumulados que temos sido capazes de resolver e que vieram do Período Especial (1990-1995, quando desabou a União Soviética, com grave reflexo na economia cubana). Juntamente com uma feroz campanha mediática de descrédito, como parte da guerra não convencional, que tenta fraturar a unidade entre o partido, o Estado e o povo; e pretende qualificar o governo como insuficiente e incapaz de proporcionar bem-estar ao povo cubano.”

       “O exemplo da Revolução Cubana incomodou muito os EUA durante 60 anos.  Eles aplicaram um bloqueio injusto, criminoso e cruel, agora intensificado na pandemia. Bloqueio e ações restritivas que nunca realizaram contra nenhum outro país, nem contra aqueles que consideram seus principais inimigos. Portanto,  tem sido uma política perversa contra uma pequena ilha que apenas aspira a defender sua independência, sua soberania e construir a sua sociedade com autodeterminação,  segundo princípios que mais de 86% da população têm apoiado.”

       “Em meio a essas condições, surge a pandemia, uma pandemia que afetou não apenas Cuba, mas o mundo inteiro, inclusive os Estados Unidos. Afetou países ricos, e é preciso dizer que diante dessa pandemia nem os Estados Unidos, nem esses países ricos tiveram toda a capacidade de enfrentar seus efeitos. Os pobres foram prejudicados, porque não existem políticas públicas dirigidas ao povo, e há indicadores em relação ao enfrentamento da pandemia com resultados piores que os de Cuba em muitos casos. As taxas de infecção e mortalidade por milhão de habitantes são notavelmente mais altas nos EUA que em Cuba (os EUA registraram 1.724 mortes por milhão, enquanto Cuba está em 47 mortes por milhão). Enquanto os EUA se entrincheiravam no nacionalismo vacinal, a Brigada Henry Reeve, de médicos cubanos, continuou seu trabalho entre os povos mais pobres do mundo (por isso, é claro, merece o Prêmio Nobel da Paz).”

       “Sem a possibilidade de invadir Cuba com êxito, os EUA persistem com um bloqueio rígido. Após a queda da URSS, que proporcionou à ilha meios de contornar o bloqueio, os EUA tentaram aumentar seu controle sobre o país caribenho. De 1992 em diante, a Assembleia Geral da ONU votou esmagadoramente pelo fim desse bloqueio. O governo cubano informou que entre abril de 2019 e março de 2020 Cuba perdeu 5 bilhões de dólares em comércio potencial devido ao bloqueio; nas últimas quase seis décadas, perdeu o equivalente a 144 bilhões de dólares. Agora, o governo estadunidense aprofundou as sanções contra as companhias de navegação que trazem petróleo para a ilha.”

       É essa fragilidade que abre um flanco para as manifestações de descontentamento, sem que o governo tenha colocado tanques e tropas nas ruas. A resiliência do povo cubano, nutrida por exemplos como Martí, Che Guevara e Fidel, tem se demonstrado invencível. E a ela devemos, todos nós, que lutamos por um mundo mais justo, prestar solidariedade.”

Dois conselhos às Forças Armadas

Não tenho lá muita afinidade com as chamadas Forças Armadas. Tive até um tio marechal, mas nunca fui muito chegado às fardas e aos militares. No entanto, sei que, conforme o artigo 142 da Constituição, elas destinam-se à defesa da Pátria, da lei e da ordem e à garantia dos poderes constitucionais. São pagos por nós, civis, para manter a defesa das instituições democráticas.

Como os militares têm, em tese, um sistema mais rígido de hierarquia e disciplina do que a sociedade civil, muitas vezes eles se esquecem que estão a serviço da população e do Estado democrático de direito.

Vamos aos fatos. O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz, declarou que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Para quem acompanhou a CPI, sabe que surgiram nomes de vários militares ligados ao ministério da Saúde no imbróglio na compra de vacinas. Se culpados ou não, veremos. Mas envolvidos, estão.

In continenti (não resisti), os comandantes da marinha, exército e aeronáutica distribuíram ontem uma nota à nação dizendo que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. Ou seja, eles consideraram que a ofensa atingiu a todos e não só o “lado podre”. Ato falho? A fala do senador, ao contrário do que entenderam os comandantes fardados, foi em defesa das Forças Armadas, mostrando que, como acontece no poder civil, pode existir um lado podre.

A verdade é que os militares são useiros e vezeiros na defesa corporativa. Até mesmo com um capitão que ameaçou colocar bombas em quartéis…

O governo abriga na boquinha federal cerca de 6 mil militares. Muitos de altas patentes e até general da ativa. Vários estão sendo investigados, inclusive o general (da ativa) Eduardo Pazuello.

Aqui vai o meu primeiro conselho: se os comandantes das três forças armadas acreditam mesmo que o senador cometeu, em sua fala, um ato de injúria, calúnia ou difamação, só existe um caminho em um Estado democrático de direito: a justiça. Já que eles, os militares, existem para defender a lei e a ordem, deveriam recorrer aos mecanismos legais. E não soltar uma nota absurda e golpista com o nítido propósito de ameaçar. Ameaçar de quê? Já chega as ameaças de golpe do próprio capitão. 

O segundo conselho é curto e grosso: chega de bravata! Tome tento!

Para terminar, as últimas do capitão.

Desorientado com as últimas pesquisas e com as denúncias de corrupção em seu governo, o meliante soltou hoje duas frases que devem merecer uma nota (de apoio?) dos comandantes militares a seu afilhado:

“Sem voto impresso, não vai ter eleições em 2022”

“Caguei para a CPI” 

Em tempo: para mim, a fala do senador Omar Aziz foi em cima da bucha e na justiça não iria configurar coisa alguma.

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A propósito do depoimento do senhor Carlos Martins (alcunha: Wizard)

O ministro Luís Roberto Barroso (STF) deu a “Wizard” o direito de não responder a perguntas que impliquem autoincriminação (não produzir prova contra si mesmo) e o dispensou de dizer a verdade no depoimento.

Ou seja, a qualquer pergunta que poderia incriminá-lo, ele tem o direito de não responder ou responder com uma mentira.

Assim sendo, podemos imaginar as seguintes perguntas e possíveis respostas:

Pergunta: o senhor tem conhecimento de corrupção na compra de vacinas pelo governo federal?

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira).

Pergunta: o senhor tem interesse econômico nas compras de vacinas pelo governo federal?

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira).

Pergunta: o senhor sabe se o presidente Bolsonaro tem conhecimento da corrupção na compra de vacinas?

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira).

Pergunta: o senhor sabe se o presidente, além de conhecimento, tem interesse na compra de alguma vacina?

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira)

Pergunta: o senhor participou de reuniões com o presidente Bolsonaro e/ou membros do governo para divulgar o chamado “tratamento precoce” e a utilização de remédios sem eficácia contra a Covid-19?

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira).

Pergunta: o senhor está deixando de responder ou mentindo na CPI para ocultar informações que poderiam colocar o presidente na cadeia? 

Resposta 1: não respondo, pois posso me autoincriminar. Resposta 2: não (mentira)

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Apesar dele

Há cerca de um ano, publiquei aqui no blogdoconde uma matéria sobre a necessidade do Brasil adotar um sistema de renda mínima para todos os brasileiros (https://blogdoconde.net/2020/07/03/renda-basica-universal-ainda-uma-utopia/). Na oportunidade, citei o projeto de autoria do então senador Eduardo Suplicy que instituía o benefício. O projeto foi sancionado pelo presidente Lula e pelo seu Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, em 2004. Como tantas outras, esta lei nunca foi regulamentada e muito menos aplicada. Além de citar alguns países que há anos adotam o sistema de renda mínima, dei o exemplo da cidade de Maricá (RJ). Desde 2013, seus moradores mais necessitados têm direito a uma renda básica.

Acabo de receber da minha amiga Anne Cauwel, de Alter do Chão (PA), uma matéria sobre Maricá. Nela, o retrato de uma cidade que tem conseguido avançar nas conquistas sociais. Apesar do genocida de plantão.

Segue o texto:

Un pueblo Maricá en el Brasil de Bolsonaro

Por Camila Parodi 

Hacia finales del 2020 el actual presidente de Brasil, Jair Bolsonaro, se dirigió a su población con un consejo: “Tenemos que dejar de ser un país de maricas”. En ese momento, su discurso tuvo mucha repercusión no sólo por su contenido homo-odiante, sino también por la acusación hacia las personas que adoptan medidas de cuidados frente a la pandemia por COVID 19 que, particularmente en el Brasil, ha sido muy violenta en términos sanitarios como económicos y sociales. Paradójicamente, la ciudad de Maricá, en Estado de Río de Janeiro, no ha dejado de cuidar a su población. Por el contrario, han acentuado las políticas sociales y económicas que atienden a las personas más afectadas por la crisis.

Maricá tiene una larga trayectoria de izquierda. Ha sido gobernada por el Partido de los Trabajadores (PT) desde el año 2009, en el marco del segundo gobierno de Luiz Inácio “Lula” Da Silva. Su actual alcalde, Fabiano Horta, fue elegido en su segundo mandato con el 88% de los votos. Un claro ejemplo de que la gestión implementada es elegida por su población. 

“Si no fuese por el gobierno municipal y la asistencia social que estamos recibiendo, sería muy difícil para nosotros sobrellevar la pandemia” reflexiona una de las pobladoras, nacida y criada en Maricá, Gleiceane da Costa. Y sobre las políticas implementadas por el gobierno local nos dice “ha ayudado a mucha gente, si no fuese por este beneficio, el pueblo de Maricá tendría muchas dificultades”.

Se trata de una ciudad que evidencia, día a día, qué otra forma de democracia y gestión política es posible. Al enterarnos de su existencia comenzamos a dialogar con colegas de medios populares brasileros hasta dar con Luis Fernando, Periodista del Gobierno de Maricá. Trabajamos más de un mes intercambiando preguntas, audios, traducciones y fotos para la creación de esta nota. De forma que sin su amabilidad y compromiso con este proyecto político no hubiera sido posible. En ese marco, Marcha dialogó con Igor Sardinha, Secretario de Desarrollo Económico; Diego Zeidan, Teniente de Alcalde y ex-secretario de Economía Solidaria y Simone Costa, Ministra de Salud. 

Covid y Socialismo

Tras el conocimiento de yacimientos de petróleo en su costa, la ciudad de Maricá aprovechó sus regalías para mejorar la distribución de la renta a través de la implementación de una moneda propia que tiene por objetivo la reducción de la pobreza y la desigualdad. “En el año 2013 la Ciudad de Maricá empezó con el proceso de construcción de un programa municipal de Renta Básica con la popularidad de usar una moneda social local para el pago de los beneficios: La moneda Mumbuca” explica el Secretario de Desarrollo Económico, Igor Sardinha. Pero, cuál es el objetivo de circular una moneda propia y en qué se beneficia la ciudad: “Hacer estos pagos con una moneda local logra la circulación por la ciudad desde el primero hasta el último centavo de estos recursos, creando empleo y renta” afirma Sardinha. “Actualmente -relata- 42.501 personas, que sería el 26% de la población, reciben este beneficio por mes”. Este número se debe, en parte, a la actual situación atravesada por la Pandemia de COVID 19 donde gran parte de la población se vio afectada en lo laboral, sanitario y económico. Por ese motivo, explica el secretario “con el comienzo de la pandemia hicimos un reajuste de emergencia haciendo que los valores salten de 130 a 300 mumbucas (equivalente con el real)”. 

Pero este incentivo no sólo actúa sobre la población beneficiaría sino que, a su vez, “más de 9000 comerciantes y proveedores de servicios de la ciudad están aptos para recibir por los productos y servicios su pago en moneda mumbuca” sostiene Sardinha. Cabe aclarar, que todo el proceso de uso de esta moneda se realiza de forma electrónica tal como lo explica el Secretario de Desarrollo Económico “a través de aplicaciones de teléfonos celulares o en a través de los equipos de tarjeta tradicionales. Es un programa que promueve el desarrollo económico local a través de los millones de reales inyectados mensualmente en la economía”. 

Actualmente en Maricá vive un aproximado de 160 mil personas y no existen personas que cuestionen o se quejen de la situación económica de su ciudad. A través de las regalías por petróleo a unos 150 millones de reales al año se reinvierte en atención médica, educación, programas sociales, entre otros. Pero no sólo eso, también ahorran parte de ese dinero en un fondo especial que podría ser utilizado una vez que las reservas se agoten o mismo si el precio del petróleo baja. Al momento, la ciudad ha ahorrado casi 500 millones de reales (89 millones de dólares) en su fondo de emergencia.

“La primera preocupación fue con las y los más pobres, y exactamente por eso el primer paso fue duplicar los valores de la Renta Básica” responde el Secretario de Desarrollo Económico ante la pregunta de las acciones implementadas por su gobierno en el marco de la pandemia. A continuación, explica que crearon el Programa de Apoyo al Empleo (PAE), con el objetivo de proteger a la gran parte de “trabajadores y trabajadoras informales que, exactamente por eso, no tienen ningún tipo de protección. Acá en Maricá hay 20.532 trabajadores/as informales registrados en el programa y recibiendo un sueldo mínimo mensual en moneda mumbuca. También, consciente de la necesidad de proteger los trabajos formales existentes en la ciudad, creemos que fue bueno crear el Programa de Apoyo al Empleo (PAE), que autoriza al gobierno de la ciudad a subvenciona la nómina de sueldos de las empresas radicadas en la ciudad pagando un sueldo mínimo por trabajador/a de la empresa inscrita en el programa con el mismo compromiso de no despedir” responde Sardinha. Su aclaración es notoria, eligen proteger a las y los trabajadores en el marco de la pandemia pero no sólo eso, lo hacen dentro de una estructura nacional que en la actualidad permite la reducción de salarios hasta el 70%.

“Finalmente -agrega el Secretario- empezamos el programa “Fomenta Maricá” que brinda líneas de crédito para emergencias para el sector productivo de la ciudad. Créditos de hasta 40 mil reales, con cero intereses, un año de gracia y 36 meses de amortización”. Este conjunto de medidas le permite a la ciudad de Maricá obtener cifras muy positivas en la economía incluso en este momento tan convulso, y en ese contexto aclara “tuvimos más empresas abiertas durante el año 2020 que en 2019 y menos empresas cerraron en el mismo período”.

En lo que corresponde a la gestión de la pandemia, Maricá también implementó acciones para destacarse. Recientemente, su alcalde se organizó junto a otras ciudades para comprar por su cuenta unas 500.000 dosis de la vacuna Sputnik V de doble dosis de Rusia, ya que Bolsonaro se opuso a su compra. Esta cantidad es suficiente para inocular a las 162 mil personas que viven en Maricá y también a los pueblos vecinos. 

Por su parte, la Ministra de Salud, Simone Costa, nos cuenta que la ciudad de Maricá “estableció alianzas entre las secretarías de la Seguridad, Comunicación, Educación, Desarrollo, etc, para realizar un plan de acción conjunto para combatir la pandemia, decretando el Estado de Calamidad y algunos otros decretos, como suspensión de clases, de protección social y distanciamiento social, el uso de una mascarilla y la necesidad de limpieza de las manos para prevenir la propagación del virus”. Desde el minuto uno de la pandemia, a pesar de los dichos de su presidente, la primera acción de la Secretaría de Salud de la ciudad fue “evitar el cruce de personas que tenían otra patología, las sospechas de Covid, y los realmente contagiados/as por el virus” afirma su ministra. 

En lo que corresponde a la intervención específica de salud, comenta que “en lugar de que personas sospechosas fueran a las unidades, creamos carpas en los cuatro distritos (evitando también los viajes largos), para que fueran diagnosticadas y medicadas, lo que requiere aislamiento en casa para aquellos/as que estuviesen con síntomas leves. Aquellos/as que necesitaban hospitalización ya eran enviados/as directamente a una unidad en una sala específica de Covid, o al Hospital Municipal Ernesto Che Guevara, nuestra segunda gran acción en el año pasado”. 

El 1º de mayo de 2020 se inauguró el Hospital Municipal Ernesto Che Guevara que, inicialmente sería un hospital general. Sin embargo, con la llegada de la pandemia, se remodeló para atender específicamente pacientes con Covid. Explica Costa que el hospital abrió con 50 camas, y hoy ya cuenta con 118 en los Centro de Cuidados Intensivos y Semi-intensivos y recibiendo pacientes de manera regulada provenientes de tres unidades de la Red de Urgencias y Emergencias de la ciudad con atención las 24 horas. “Fuimos la única ciudad del Estado que en tan poco tiempo montó una estructura enorme, con cerca de mil empleados/as y que sigue siendo un legado para la población” sostiene la Secretaria. A su vez, Maricá, a través de la Secretaría de Salud, inauguró el Laboratorio Central Dr. Francisco Rimolo Neto, en el centro de la ciudad para realizar hisopados gratuitos (PCR), cuyos resultados son más precisos para la atención de Covid-19, diagnóstico reenviado de las unidades municipales de salud. Al respecto sostiene la Secretaria: “Con mayor número de pruebas, mayor seguimiento de los contagiados/as y, por tanto, mejores tomas de decisiones respecto a los decretos que inciden en la vida cotidiana de la población del municipio, además del menor número de contagiados/as por el aislamiento de las y los infectados”. 

Se invierte también en capacitaciones para que las y los profesionales estén mejor preparados en la atención y procedimientos de esta enfermedad tan nueva y fatal “además de invertir en equipos de protección personal, detección e investigación epidemiológica y en investigaciones, como el casco de ventilación no invasiva que se está probando con los pacientes hospitalizados/as  internados con Covid en el Hospital Che Guevara”. “También -agrega Costa- dejamos la red más integrada entre Atención Primaria y Urgencia y Emergencia, para que los y las pacientes dados de alta pudiesen tener seguimiento fuera del hospital, con profesionales especializados a través del Servicio de Atención Domiciliaria y las dos Unidades de Salud de la Familia”. 

Maricá: Salir del closet neoliberal

¿Cómo se toman estas decisiones? Si bien se intenta incentivar a la población en la participación, remarcan que se trata de las tareas más complejas de la gestión. Sin embargo, se mantiene a través de la creación de una agenda conjunta con el gobierno, como explica el Teniente de Alcalde, Diego Zeidan. “Tenemos una casa de consejos, a través de los ayuntamientos hemos reforzado mucho las políticas. Trabajamos mucho con las asociaciones  de vecinos/as y grupos de vecinos/as para que podamos tener un trabajo más popular, que involucra a las personas en la gestión pública” afirma. “Nuestras políticas públicas, como la moneda Mumbuca, el rojo -autobús libre de color rojo conocido cariñosamente “Vermelhinho”- y el Passaporte Universitario, son dirigidas a las personas, son instrumentos que se utilizan para atender la demanda de la población para hacer valer sus derechos básicos que son derechos constitucionales en Brasil”.

“Para que podamos ser un gobierno popular y reafirmar derechos, necesitamos estar con la gente de nuestro lado” sostiene el Zeidan, sin embargo, se trata también de un desafío “es difícil lograr que la gente participe, esté interesada en la política, interesada en participar en la vida de la ciudad, en la vida cotidiana, en la toma de decisiones. Pero es algo en lo que estamos trabajando y tratando de que más personas estén con nosotros”. Y afirma: “Es necesario traer a la población a los espacios de decisión y consultas populares”.

Al conocer su experiencia y, desde el comienzo de la entrevista, sostuve que es posible construir nuevas formas de poder y democracia, como lo hizo Maricá dentro del Brasil de Bolsonaro, en medio de una pandemia y en pleno Siglo XXI. Ante esta afirmación me responde el Teniente de Alcalde, Diego Zeidan:  “Lo que estamos tratando de hacer aquí en Maricá, además de la discusión de izquierda y derecha, es de hecho construir un nuevo modelo de la sociedad que se preocupe por las personas, para atender las demandas de la mayoría de la población”. “Somos de izquierda -remarca- nos identificamos como un partido y gobierno de izquierda, y defendemos que el Estado necesita garantizar lo mínimo para que la gente viva con dignidad. No podemos tomar como ejemplo el Estado capitalista neoliberal, que está ausente de la vida de las personas y que cree que el mercado regulará y satisfará todas las demandas”.

Para Zeidan, “el mercado tiene fallas en algunas situaciones, tiende al monopolio, la concentración del ingreso y la concentración del capital, y el Estado necesita existir para crear mecanismos que garantizan una vida digna para todos, una vida que no tenga explotación laboral, donde las personas tengan comida en la mesa, acceso a la salud, la educación, la seguridad y cultura general como una forma de ocio, como forma de deporte”. En ese sentido, desde el gobierno de Maricá sostienen que el Estado debe garantizar derechos e igualdad, “ya que el capitalismo tiene fallas y el mercado no puede satisfacer la demanda de gran parte de la población. Entonces, queremos mostrar que es posible un nuevo modelo de Estado, un modelo que en realidad no es nuevo, que ya se usa en China, en Cuba, en algunos países nórdicos, que ni siquiera son socialistas incluso existe un modelo de Estado que promueve el bienestar social” remarca el Teninete de Alcalde.

Finalmente, concluye “debemos asegurarnos de que todos y todas tengan acceso a la salud, la educación, la seguridad, y el derecho a la dignidad. Aquí, en Maricá, demostramos en la práctica que trae beneficios no sólo sociales, sino también económicos”. Después de todo, no es de extrañar que Maricá sea la ciudad con el mayor número de empleos durante la pandemia y asegura: “Así trabajamos en Maricá, demostrando que el Estado tiene que servir a las personas y no a los intereses de los bancos y grandes empresas, sino de los que más lo necesitan, los que están en más dificultades”.

(fonte: marcha.org.ar)

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A receita de um golpe em curso

Desmascarado pela genial Laerte

Não, ele já não está enganando ninguém. Bolsonaro quer e vai tentar um golpe. Golpista o é desde sempre. Militar, projetou colocar bombas em quartéis e estourar a adutora do Guandu. Deputado, defendeu a pena de morte e a ditadura militar. Um de seus discursos na  Câmara em 1999: “Só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil! Começando com FHC! Não deixa ele de fora não.” Em 27 anos como deputado, só teve dois projetos aprovados. Um que isenta do IPI os bens de informática e outro que autoriza o uso no Brasil da chamada “pílula do câncer”, um remédio que jamais foi aprovado pela ciência. Durante todo o período destilou ódio em suas declarações golpistas, racistas e homofóbicas.

Candidato a presidente, se apresentou como o arauto da antipolítica. Em entrevista ao Jornal Nacional, declarou: “vou acabar com a reeleição para presidente e diminuir a quantidade de parlamentares em 15, 20%”. Defendeu o excludente de ilicitude: “invadiu propriedade urbana ou rural, você armado, fogo neles sem nenhum problema jurídico”. Defendeu armar a população com alterações no Estatuto do Desarmamento. Atacou a adoção de crianças por casais homossexuais e prometeu cortar financiamentos para organizações de direitos humanos. Entre absurdos, criticou as reservas indígenas e afirmou: “vou titularizar as terras indígenas e permitir que índios as explorem e até as vendam”. E, claro, para as elites, prometeu um amplo plano de privatizações, criticou as relações com a China e prometeu abrir o comércio do Brasil com os países “civilizados”, como Israel e EUA. Assim, dizendo que jamais iria negociar com políticos, Bolsonaro foi eleito.

Presidente, cercou-se de generais e formou um governo à sua imagem e semelhança. De sua posse até hoje, não passou uma semana sem uma ameaça direta ao povo brasileiro. Participou de atividades antidemocráticas, com passeatas, discursos e sobrevoo. Montado a cavalo, como fazia o ditador Benito Mussolini, circulou entre aqueles que pediam a volta dos militares. Acompanhado de ministros, inclusive generais da ativa, participou de atos contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E tudo impunemente. A seus apoiadores, no chiqueirinho do palácio, bate no peito para chamar de seu o exército brasileiro. Jornalistas apontam o paradoxo de um presidente fraco que consegue ser mais forte do que o exército.

A pandemia caiu no colo do Bolsonaro. Era o que ele precisava para mostrar a que veio. Agora sim, o discurso de ódio poderia ser exercitado em plenitude. Pelos seus cálculos, a nação está frágil e pode se render a um homem forte, cercado de militares e populista. Um caldo terrível, cujos resultados assistimos, no século passado, na Espanha de Franco, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini.

Se não surgisse o terrível vírus, talvez o Bolsonaro não conseguiria passar de uma nota ao pé de página ou uma menção no anedotário político. Sua total incompetência administrativa, sua mente esquizofrênica e seu despreparo intelectual fariam dele apenas um macaco em loja de louça. O governo cairia como um castelo de areia.

Mas a pandemia chegou e Bolsonaro aproveitou para instalar a sua necropolítica. Quanto mais mortes, quanto mais sofrimento, mais ameaça. Mesmo tendo o vírus como aliado, Bolsonaro o desdenha para mostrar ser ainda mais poderoso e letal. Em meio a quase meio milhão de mortos, ele aposta no caos. Lança aos ventos provocações e aguarda um pretexto para intervir. Seu objetivo, já não mais camuflado, é se aproveitar de uma possível comoção nacional e surgir como defensor da pátria.

Em uma única semana, ele ameaçou contestar o resultado se a próxima eleição não for com voto impresso, negou a eficácia das vacinas contra a Covid-19, criticou o uso das máscaras e ridicularizou o distanciamento social. Golpista e genocida. Em sua estética fascista, promove desfiles de motos com seus apoiadores e alguns tantos de sua patota de milicianos. Em atitude totalmente ilegal, entra, sem ser passageiro, em um avião comercial para gerar factoide eleitoral. Se rejeitado, parte para a ofensa pessoal e racista.

O mundo já despertou para o caráter sanguinário e perigoso do que está em curso em nosso país. Em recentes editorais, dois jornais britânicos, Financial Times e The Guardian, denunciaram o risco de um golpe pelo presidente brasileiro e foram unânimes: “Bolsonaro é um perigo para o Brasil e para o mundo.”

E nós? Até quando? Mesmo que ainda tímida, a chamada grande imprensa parece ter, finalmente, “descoberto” o perigo que sopra de seu antigo aliado do planalto. As manifestações começam a ganhar fôlego com o mote: quando o povo vai às ruas em uma pandemia, é porque seu governo é pior e mais perigoso que o vírus. A elite brasileira permanece alheia, tal como foi durante a ditadura militar de 1964. O UOL perguntou a dirigentes de 60 mega empresas brasileiras se haveria algum risco de o presidente Bolsonaro tentar dar um golpe militar. Apenas dois dirigentes responderam. Para o Bradesco, a democracia no Brasil é consolidada e a Alpargatas acredita ser fundamental o respeito à democracia e ao Estado de Direito. Os outros 58 ficaram calados. Medo ou conivência?

O golpe pode estar em curso. Manter o Brasil e os brasileiros sob as botas rotas de um tipo como Bolsonaro são outros quinhentos.

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Ética em crise: o desgaste na atualidade

José Saramago, Prêmio Nobel 1998

Hildênia Marques  Psicóloga, MSc.

“… Acho que na sociedade atual falta a filosofia. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar e parece-me que sem idéias não vamos a parte nenhuma…”(Saramago).

Concordo com Saramago quando fala da dificuldade que o homem contemporâneo vem apresentando para pensar, refletir sobre sua própria vida.

Venho percebendo como a palavra ética anda desgastada na atualidade, aparecendo sempre na mídia acompanhada de mensagens curtas, na maioria das vezes com significados reduzidos a algum código de conduta, ou a situações críticas e inimagináveis, sugerindo apenas uma dúvida sobre como devemos agir em determinada situação.

Isso me faz retornar ao significado da palavra “ética”. Ética vem de ethos, que quer dizer morada do ser. É a casa, o lar, é onde nos sentimos seguros, acolhidos.  É dessa maneira que nos percebemos enquanto “pessoa” na sociedade.

Na realidade, sabemos que as questões éticas são amplas e vão muito além dessa forma corriqueira e às vezes até banalizada, como vem sendo tratadas nos dias atuais.           

O genial filósofo alemão Immanuel Kant deixou-nos sua eterna contribuição sobre ética quando afirma: “Age de modo que a máxima de tua ação possa sempre valer também como princípio universal de conduta. Age de modo a tratar a humanidade, seja na tua pessoa ou na do outro, como fim e nunca como meio.”

Na modernidade, ethos e indivíduo parecem estar separados. A ética está vivendo um momento de crise, abalada pelo descaso do homem por ele mesmo, imerso num individualismo exacerbado. Viramos objeto único do nosso amor e nesse surto narcísico não há espaço para o outro. 

Cenas de agressões gratuitas, dificuldade na aceitação das diferenças, bullying, brigas em locais coletivos, estão cada vez mais freqüentes, o que nos aponta para uma situação de crise do convívio social.

Antigamente, sabíamos as notícias das guerras e dos massacres pelo rádio, pelos jornais e depois pela televisão. As informações chegadas a nós sobre a Primeira Grande Guerra, chamada por muitos autores de “ferida da humanidade,” nos incomodam até hoje e foram tão chocantes, que sempre me pergunto como foi possível chegar àquele nível de intolerância.

Mais difícil ainda é entender como o que causou tanto mal-estar no passado está sempre voltando, com outras roupagens, em versões mais modernas, mas cada vez mais bárbaras e cruéis. Atualmente, assistimos outro tipo de guerra cujo inimigo é silencioso e invisível! Devastador, disseminou-se mundo afora com rapidez e eficiência letais. A ciência, em tempo recorde, vem buscando exaustivamente por remédios, tratamentos e já nos oferece as vacinas. Entretanto, sabemos que essa corrida pela contenção do vírus vai depender da nossa postura e conduta como seres humanos! 

A pandemia do Covid-19 deveria nos levar a uma reflexão profunda de como atitudes em prol da coletividade poderiam ser decisivas nesse momento, onde os tão falados cuidados básicos (lavar as mãos, máscaras, distanciamento etc.) sejam somente o começo, ou seja, fundamentos para reflexões muito mais profundas. Pensar na alteridade tornou-se uma questão de vida ou morte. Faz-se urgente repensar a vida a partir do coletivo.  Diante disso, entre outros motivos, surge a dificuldade de criar-se uma ética que seja universal, para todos, quando se pensa cada vez menos no “outro”. Estamos sobrevivendo num momento de caos, aos trancos e barrancos, em meio a situações paradoxais, onde a máxima atual tornou-se: “Salve-se quem puder, custe o que custar.”

 Termino também com Saramago que diz: “Para mim a prioridade é o homem, não há outra.”

                                                                             Contatos: hildmarques@gmail.com

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Governo bolsonaro é réu confesso

O governo bolsonaro, por intermédio do general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, denuncia o governo bolsonaro e divulga relação de seus crimes durante a pandemia.

As afirmações divulgadas pelo próprio governo são:

  1. O governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da CoronaVac (que atualmente se encontra no PNI [Programa Nacional de Imunização];
  2. O governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo);
  3. O governo não incentivou a adoção de medidas restritivas;
  4. O governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;
  5. O governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas;
  6. O governo não promoveu campanhas de prevenção à covid;
  7. O governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional;
  8. O governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS);
  9. O governo demorou a pagar o auxílio-emergencial;
  10. Ineficácia do Pronampe [programa de crédito];
  11. O governo politizou a pandemia;
  12. O governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes);
  13. Falta de insumos diversos (kit intubação);
  14. Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI;
  15. Genocídio de indígenas;
  16. O governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à Covid;
  17. O governo não foi transparente e nem elaborou um plano de comunicação de enfrentamento à covid;
  18. O governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia;
  19. Brasil se tornou o epicentro da pandemia e “covidário” de novas cepas pela inação do governo;
  20. General Pazuello, general Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à covid;
  21. O presidente Bolsonaro pressionou [os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique] Mandetta e [Nelson] Teich para obrigá-los a defender o uso da hidroxicloroquina;
  22. O governo federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;
  23. O governo federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio.

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A farsa do golpe baixo

Véspera de mais um aniversário do golpe militar de 1º de abril de 1964, eis que o capitão volta a ameaçar os brasileiros – vivos e mortos – com um golpe. Para tanto, aproveitou a retirada do obtuso Ernesto Araújo das Relações Exteriores para uma troca de cadeiras em outros cargos. 

Para mostrar seu poder de fogo, o capitão demitiu um general que não acatou sua ordem de afastar, dos comandos militares, um general, um brigadeiro e um almirante. Foi o que bastou para muita gente acreditar que haveria um golpe. Durante a semana, a trupe palaciana já avisara que a corda estava esticando. 

Na esperança de ser o primeiro violino da charanga, o deputado bolsonarista Vitor Hugo queria votação em plenário de um projeto para dar ao capitão o poder de acionar o dispositivo constitucional de “mobilização nacional”. Com ele, o capitão teria absoluta concentração de poderes, inclusive sobre as polícias militares dos governos estaduais. Apesar do nome, o deputado é fraco de leitura e não sabia que, pela Constituição, o dispositivo só pode ser utilizado em caso de agressão estrangeira.

Ontem, autoridades civis e militares, incluindo o presidente do Senado e o vice-presidente, general Mourão, declararam que não haverá golpe.

É muito estranho quando, vira e mexe, a nação tenha de ouvir que não haverá golpe. Assim como não passa um mês sem que o capitão-presidente não faça uma ameaça, às vezes explícita. 

Vale lembrar que, naquela manifestação contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (3 de maio de 2020), o capitão declarou que as Forças Armadas estavam ao lado de seu governo. A fala provocou uma nota de seis ex-ministros da Defesa, reafirmando o compromisso dos militares com a democracia e que as Forças Armadas são instituições de Estado. Outros oficiais-generais avaliaram, pela imprensa, que o presidente tentou fazer política do capital da instituição.

É claro que temos no Brasil militares golpistas, aliados do capitão e saudosos da ditadura. No entanto, o Brasil de hoje é muito diferente daquele que vivemos na década de 1960.

Ontem, ao tomar posse como novo da Defesa, o general Braga Netto declarou que o “movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil”. É verdade. Não podemos nunca esquecer as mais tristes páginas de nossa história recente, com seus mortos, suas torturas e seus governos militares antidemocráticos. 

Lembrar sempre: ditadura nunca mais.

No mesmo dia, o Brasil bateu, mais uma vez, o recorde de mortes pela Covid-19. Foram 3.780 brasileiras e brasileiros mortos em apenas 24 horas. 

Enquanto a nação enterra seus filhos, um canalha ameaça com um golpe. Sujo e baixo, como ele próprio.

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how to get away with mass murder

beto vianna

digamos que há um vírus potencialmente letal circulando na população, e você quer ajudar a infectar o maior número de pessoas. talvez matando uma boa parte no processo. como fazer isso? vai aqui o passo-a-passo:

a) arrume um forte canal de comunicação com o público-alvo. pode ser viral, como o zap, ou massivo, como a mídia oficial e espontânea da presidência da república.

b) dissemine o medo de se proteger do vírus. fome, desemprego, e febre-da-cabana são boas imagens.

c) manobre para diminuir o alcance ou a magnitude de quaisquer medidas socioeconômicas compensatórias, fortalecendo a estratégia b).

d) compare políticas públicas emergenciais (restrições de circulação, uso de máscaras, vacinação) com medidas ditatoriais de exceção, gerando indignação e desobediência civil.

e) ligue a adoção de tais políticas ao aumento das mazelas propostas em b), reforçando o medo e a desobediência civil.

f) crie confusão sobre os procedimentos da ciência, relativizando e intercambiando o uso de termos como comprovação científica, autoridade, eficácia de substâncias, estudos e testes clínicos etc. essa estratégia é crucial para o sucesso das estratégias g), h), i) e j), a seguir.

g) sobreponha o medo do vírus ao das outras ameaças (fome, desemprego etc), motivando o uso individual, preventivo ou curativa, de remédios e outras substâncias, independente de sua recomendação pela comunidade científica (ver f). lembre-se que o uso em massa dessas substâncias desperta a sensação de proteção e o comportamento favorável à contaminação. 

h) incentive o uso das substâncias citadas em g), que podem ser adquiridas e administradas individualmente, em detrimento de intervenções preventivas coletivas (como a restrição de circulação, o uso de máscaras ou a vacinação). 

i) lance dúvidas sobre os efeitos, eficácia, comprovação científica (ver f) e até a motivação (política, ideológica, econômica) da adoção de medidas preventivas como política pública, como a restrição de circulação, o uso de máscaras ou a vacinação. 

j) use a mesma estratégia, com sinais trocados, na apreciação de drogas administradas individualmente e dos compostos vacinais. apesar de logicamente falha, ao lado das estratégias anteriores (principalmente d e f), os resultados (em termos de comportamento de rebanho) são promissores. 

k) reforce as estratégias em h), i) e j) ligando as medidas sancionadas por políticas públicas a inimigos reais ou imaginários do povo, como grupos econômicos, midiáticos e político-ideológicos. recomendamos o uso da xenofobia e do anticomunismo, que têm eficácia atestada em outros contextos. 

l) não tenha vergonha de mentir sobre qualquer coisa, e desmentir o que disse a qualquer momento. é crucial entender que a disseminação constante da confusão é a maior garantia de um comportamento irresponsável do público alvo.

a adoção desse conjunto de medidas pode, com um vírus como o sars-cov-2, contaminar cerca de 6% da população em um ano, e, num país como o brasil, matar algumas centenas de milhares de pessoas. 

procure se informar como não ser preso por assassinato em massa.

aracaju, 28 de março de 2021

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