O social do isolamento

Banco de alimentos em parque de Toronto

No Aurélio, legado é o valor ou objeto que alguém deixa a outrem em testamento. A palavra, que vem do latim, tem, no entanto, outros significados além de sua apropriação jurídica. Pode ser alguém que vai em missão especial para representar o Papa. Ou mesmo um significado imaterial, como o legado intelectual que herdamos dos filósofos e pensadores do passado.

O termo tem sido muito utilizado atualmente. Uma busca rápida pela internet leva-nos à inúmeras páginas tratando do “legado da pandemia provocada pelo coronavírus”. Confesso que não consigo encontrar nenhum legado positivo numa doença que tem infectado milhões em todo o mundo e matado centenas de milhares de pessoas. Há males que vem para o bem é um conhecido provérbio que se refere a eventos que, apesar de ruins, podem trazer bons resultados ou levar a consequências favoráveis. Mas como encontrar algo de bom neste vírus tão traiçoeiro?

Ainda estamos em plena pandemia. Os números são assustadores e não sabemos o que vem pela frente. Estudiosos sugerem estratégias para diminuir ou retardar o seu avanço e cientistas de todo o mundo pesquisam remédios e vacinas. Mesmo aos países que estão reabrindo sua atividade econômica, a recomendação é que, quem puder, fique em casa e só saia em caso de necessidade. 

Hans Kluge, diretor da OMS na Europa, alertou para a possibilidade de uma segunda onda, ainda mais mortal. Para ilustrar sua preocupação, relembrou da epidemia de gripe espanhola, entre os anos 1912 e 1920, quando apenas em sua segunda onda vitimou mais de 50 milhões de pessoas.

No entanto, um assunto que começa a tomar corpo na internet diz respeito ao pós-coronavírus. O jornal espanhol El País ouviu especialistas da inovação e elencou três prováveis tendências de comportamento num planeta após o Codiv-19:

Educação
A digitalização da educação nas escolas e universidades, que vinha em alta, entrará em uma curva de aceleração sem precedentes. Não haverá outra opção para as instituições a não ser a adaptação de todos os processos e atividades a ambientes a distância.

Saúde e Bem-Estar
Massificação de um estilo de vida saudável, baseado em autorresponsabilidade e telemedicina, graças a dispositivos digitais e software de monitoramento e consulta para fazer diagnósticos precoces e prescrever medicamentos.

Erosão do individualismo
Está prevista uma transformação de modelos sociais e políticos baseados no sucesso e nas capacidades individuais de acessar recursos, para dar destaque às fórmulas universalistas do passado, revisitando-as para enquadrá-las com uma identidade e mecanismos da comunidade que diminuem as desigualdades.

Em artigo publicado na UOL, o professor Fábio Mariano Borges, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, acrescentou outras tendências. Entre elas, a mudança nas prioridades. A população está pensando no que realmente é importante para ela. O lar passou a ser considerado um “espaço seguro”. A chamada “internet das coisas” passará a ser a “internet dos organismos”. Muitos governos estão usando os celulares das pessoas para monitorar seus movimentos. E, finalmente, o novo design pós-coronavírus será centrado na vida. A pandemia acelerou a mudança do “eu” para “nós”. O senso de comunidade recebeu um impulso enorme com o surgimento de um conceito que fala sobre cuidar de seus vizinhos e de parentes mais distantes. As pessoas passaram a exigir mais atenção.

Na velocidade da vida atual, as tendências previstas para quando o coronavírus der o seu último suspiro já começam a brotar. Em várias partes do mundo, as relações humanas desenham o futuro próximo. Como escreveu o escritor Thales Guaracy no portal Poder360, “assim como um vírus capaz de rodar o mundo, deve haver um círculo maior de solidariedade, e uma pressão por políticas que reduzam os efeitos negativos do liberalismo selvagem em escala planetária, como o crescimento da miséria, a concentração de renda e a extinção do emprego”.

Um dos principais produtos de exportação de Portugal durante a pandemia tem sido a solidariedade. Estudantes universitários de Lisboa, assim que as aulas foram suspensas, criaram um movimento denominado “Vizinho Amigo”. Como objetivo, ajudar os grupos de risco e promover o voluntariado entre as faixas etárias mais novas. Na prática, cerca de 6 mil jovens, entre 20 e 30 anos, ajudam nas compras de supermercados e farmácias de quem não pode ou não deve sair de casa. Cada voluntário atua dentro da área de sua residência.

Como não poderia deixar de ser, jovens voluntários brasileiros aderiram ao projeto português e estabeleceram uma parceria com o Vizinho Amigo utilizando a plataforma de voluntariado Atados. Quem precisar de ajuda ou desejar participar do projeto, é só entrar no site (atados.com.br/vizinhoamigo), preencher um formulário ou enviar um WhatsApp. 

No Canadá, vários grupos de ajuda foram criados. Em Kingston, uma cidade de 150 mil habitantes às margens do Rio São Lourenço, tem um serviço de ligações telefônicas chamado Vizinho para Vizinho. Quem necessita de ajuda se inscreve e todos os dias um voluntário liga para saber como ele ou ela está passando e se precisa de alguma coisa. O projeto é uma iniciativa da Sociedade São Vicente de Paulo e tem o apoio do Rotary Club local.

Em Toronto, também no Canadá, a solidariedade mora ao lado. Em inúmeras áreas da cidade, os vizinhos se organizam para ajuda mútua. Na região de Beaches, um brasileiro canadense criou, em março, o movimento Minha Vizinhança. Com mais de 30 famílias, cada um ajuda o outro naquilo que for preciso. Pode ser uma compra coletiva no supermercado, uma pesquisa de remédio nas farmácias ou uma troca de receita pelo celular. Para atender aos mais necessitados, o grupo transformou as minibibliotecas, que existem no parque do bairro, em bancos de alimentos. Mesmo com a reabertura gradual do comércio na cidade, os moradores já decidiram manter o projeto. Fica o exemplo.

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Publicado por blogdocondearthur

Publicitário, jornalista e escritor

2 comentários em “O social do isolamento

  1. Ótima a sugestão do Ivan,excelente sua criação do blog. Parabéns! Creio que é, ou será, semelhante à esquina do Orador, no Hyde Park: todo e qualquer assunto mas não verbal, por escrito.. Leitores,parcerias e contatos não lhe faltarão. Meu abraço fraternal de sempre, sempre somando.

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