
Em 1982, comprei o meu primeiro computador. Era um DGT 100, fabricado em Belo Horizonte por uma empresa de três jovens idealistas. A sua memória (hoje em dia seria considerada como uma vaga lembrança) era externa e funcionava com um drive para disquete tamanho família. Vereador à época, levei o aparelho para a minha sala na Câmara. Um sucesso. Todo dia, eram inúmeros os pedidos de amigos, colegas e curiosos para mostrar e fazer funcionar a novidade.
Dito assim, com tantos anos de estrada, até parece que sou, hoje, um expert em computação. Não sou, mas tenho uma boa convivência com o aparato. No entanto, a velocidade dos avanços na área me assusta. A portabilidade, por exemplo, é coisa de doido. O sistema operacional de um smartphone substitui câmera, televisor, gravador, despertador, computador, scanner, comércio, fax, banco, livro, dicionário, agenda, correio, cinema, rádio, e a relação não se esgota. Veja você, esqueci de assinalar que podemos utilizá-lo também para telefonar.
A quantidade de celulares no Brasil também é um espanto. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, temos cerca de 230 milhões de celulares ativos. Se juntarmos computadores, notebooks e tabletes, sobe para 420 milhões de engenhos digitais circulando pelo país afora. E olha que a população no Brasil ainda não emplacou os 210 milhões.
No Brasil real, o sistema é perverso com os mais pobres. Dois exemplos recentes. O primeiro, a distribuição do auxílio emergencial aos informais. Durante o período, a luta daqueles que mais precisam para entender e acessar os aplicativos disponibilizados pelo governo. Mesmo para quem possui um smartphone não é fácil preencher formulários, por mais simples que sejam. A maioria do público com direito aos 600 reais utiliza, no entanto, celulares populares, pré-pagos, com internet de baixa conexão. Agora, a discussão é sobre aulas à distância. Com celular é quase impossível acompanhar o ritmo, é preciso um computador. E, mais grave, a internet não chega a 34% dos alunos da rede pública que fizeram o Enem. O IBGE, com base em sua última pesquisa, divulgou que um em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros.
A era digital no Brasil é muito recente. Até 1991, a conexão só era possível para fins estatais. Em maio de 1995, a rede abriu para o comércio. Mas foi a partir de 2004, com o advento das redes sociais, que ela começa a se popularizar como uma mídia de massa. Foi quando surgiu o Orkut e o Facebook. No ano seguinte, 2005, chegou o Youtube. A partir de 2007, com o lançamento do iPhone no Brasil, o celular tomou conta e começou a substituir várias ações antes exclusivas dos computadores.
Com o isolamento social, a internet tem sido o canal de comunicação de milhões de brasileiros. O programa Greg News, do jornalista Gregório Duvivier, ultrapassa a 1 milhão de visualizações, O noticiário diário da TV247 tem mais de 500 mil inscritos. A excelente cantora Teresa Cristina reuniu, numa roda de samba em 30 de maio, mais de 200 mil pessoas pelo Youtube. São apenas alguns exemplos. Você, certamente, conhece outros.
Mas nem só o entretenimento e o jornalismo correm nas veias abertas da internet. Nos últimos dias, manifestos pró-democracia e suprapartidários ganharam as redes. Unindo adversários ideológicos, eles buscam dar um basta a um governo autoritário que veste o manto do fascismo e prega, abertamente em praça pública, a volta da ditadura militar. Seus ataques aos poderes constituídos e suas ações contra a democracia e o estado de direito, atingiram um ponto que a maioria da população brasileira não suporta mais. E o desmando acontece no momento em que o Brasil vive a sua pior crise na saúde e na economia. Com um poder executivo dominado por militares de fala golpista, o nosso país vive momentos dramáticos. Não há nenhuma crise institucional entre os poderes. O que há, é uma tentativa de criar uma situação de conflito da parte do poder executivo. As forças armadas, como querem os bolsonaristas, não podem exercer o papel de poder moderador porque elas não são um poder. E nem a constituição permite.
Entre outros, três movimentos democráticos ganham atenção e adesão pelos canais da internet. Um, assinado por mais de 600 juristas brasileiros, afirma que o presidente “agride de todas as formas os Poderes constitucionais das unidades da Federação, descumpre leis e decisões judiciais e o país é jogado ao precipício de uma crise política quando já imerso no abismo de uma pandemia que encontra no Brasil seu ambiente mais favorável, mercê de uma ação genocida do presidente da República”. E o manifesto termina: “Todos nós acreditamos que é preciso dar um BASTA a esta noite de terror com que se está pretendendo cobrir este país. Não nos omitiremos”.
Outro movimento, surgiu espontaneamente após uma pesquisa divulgada pelo DataFolha. Nela, 70% rejeitam aproximação com o Centrão, 70% acham Bolsonaro Péssimo/Ruim/Regular, 70% apoiam as medidas de isolamento e 70% sabem que a terra é redonda. Assim nasceu o “Somos 70%”.
O terceiro, “Estamos Juntos”, já tem mais de 258 mil assinaturas e tem como referência o movimento Diretas Já, que uniu velhas disputas partidárias em busca de um bem comum. “Somos muitos, estamos juntos, e formamos uma frente ampla e diversa, suprapartidária, que valoriza a política e trabalha para que a sociedade responda de maneira mais madura, consciente e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo”, diz o documento.
Mas a internet também tem seu fel. Para os incautos, ela oferece as fake news. Um levantamento da Avaaz, plataforma de mobilização online, revelou que os brasileiros são os que mais acreditam em fake news no mundo. Segundo o estudo, 7 em cada 10 brasileiros se informam pelas redes sociais e 62% já acreditaram em pelo menos uma notícia falsa.
Ao contrário do coronavírus, que ainda não tem remédio provado e aprovado, as fake news podem ser tratadas. Empresas jornalísticas, agências e ferramentas inteligentes ajudam a checar se uma notícia é verdadeira ou não. Cito alguns dos sites que desmentem esta praga da internet que, pelo menos no Brasil, tem nome, sobrenome e endereço.
O Fato ou Fake (g1.globo.com/fato-ou-fake) é uma iniciativa do Grupo Globo para verificar conteúdo suspeito nas notícias mais compartilhadas da internet. A apuração é feita em conjunto por jornalistas da CBN, Época, Extra, G1, TV Globo, GloboNews, Jornal O Globo e Valor Econômico.
O Comprova (projetocomprova.com.br) é um projeto de checagem de fatos que conta com o trabalho em equipe de jornalistas de 24 diferentes veículos.
O Truco é uma iniciativa de checagem de fatos da Agência Pública (apublica.org), agência de jornalismo investigativo fundada por mulheres em 2011.
A Aos Fatos (aosfatos.org) é uma agência especializada na checagem de fatos também membro da IFCN e contratada pelo Facebook.
O Fake Check – Detector de Fake News (nilc-fakenews.herokuapp.com) é uma plataforma criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para checar notícias falsas.
O Boatos (www.boatos.org) é um site criado pelo jornalista Edgard Matsuki em 2013. Seu objetivo é publicar verificações de notícias populares na web.
O E-Farsas (www.e-farsas.com) é o mais antigo serviço de verificação de notícias falsas, lançado em 2001. Segundo o portal, a iniciativa surgiu “com a intenção de usar a própria internet para desmistificar as histórias que nela circulam”
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