
Outro dia, peguei para reler o romance “Entrevista com o Vampiro”, de Anne Rice e traduzido no Brasil pela Clarice Lispector. Autora de sucesso, ela lançou o livro em 1976, logo após o falecimento de sua filha, que é retratada na obra pela vampirinha Cláudia. Embora seja mais conhecida pelos seus contos de terror, Anne Rice já visitou temas diversos, como uma série sobre a Bela Adormecida e outra abordando passagens da vida de Jesus. Nas primeiras páginas, um assunto que fez deitar o livro e pensar no paradoxo do tempo. No dos vampiros e no meu.
Como gosto de desviar do assunto sem deixar a peteca cair, vale lembrar o paradoxo do aniversário. Em um grupo de 23 pessoas escolhidas por acaso, a probabilidade de que duas pessoas terão a mesma data de aniversário é de mais de 50%. Se juntarmos 57 pessoas, a chance é maior que 99%. Com 367 pessoas, pelo menos duas terão a mesma data.
No caso dos vampiros, o futuro é quase garantido, pois eles são quase imortais. O quase foi colocado não por acaso. É que, quando eu continuar a leitura do livro, vou descobrir que tem jeito de matar um vampiro (e não tem nada a ver com cruz, água benta, alho ou semente de mostarda). Antes da entrevista (com o vampiro), as minhas referências no assunto eram o excelente “Drácula”, do escritor irlandês Bram Stoker.
Desculpe lá o gerundismo, mas lendo e aprendendo. Eu pensava que o Drácula tinha sido o primeiro vampiro. Enganei. Pois, como é tudo lenda mesmo, uma delas conta que o Caim (aquele que matou Abel) foi o primeiro vampiro. Dizem que ele foi condenado por Deus com os seguintes castigos: não poderia contemplar a luz do Sol, teria a necessidade de beber sangue todos os dias e seria imortal. Mais vampiro, impossível.
Como escreveu o escritor português e Prêmio Nobel José Saramago em seu livro “Caim”, “a história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele”.
Mas o tempo não para, como poetava Cazuza: “Mas se você achar / Que eu tô derrotado / Saiba que ainda estão rolando os dados / Porque o tempo, o tempo não para”. Ou como aquela música da banda Charlie Brown Jr.: “Eu não sou senhor do tempo / mas eu sei que vai chover”.
Para quem, como eu, chegou a uma idade, digamos, avançada, o tempo é uma loucura. Sei que tenho poucas quadras en adelante e as distâncias com o passado são cada vez mais desmedidas. Há mais de meio século nasceu meu filho. Faz 31 anos que nasceu a minha primeira neta e lá se vão mais de 6 anos quando conheci o meu primeiro bisneto. É muito tempo para trás. E se eu relatar alguns acontecimentos que marcaram a minha vida pregressa? São tantos, e alguns tão antigos como o aniversário de 60 anos da minha primeira bicicleta.
Cada um de nós parece ter um tempo. Tal como reza um ditado português: cada um é como qual. Mas, o nosso teólogo Leonardo Boff garante que o tempo está mesmo passando mais rápido para todos. Antes, dizíamos que as pessoas mais velhas sentiam que o tempo estava acelerado. Hoje, estudos mostram que os jovens têm a mesma opinião. Boff explica o fenômeno por meio da chamada ressonância de Shumann. O físico alemão Winfried Schumann constatou, em 1952, que a Terra é cercada por um campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera, cerca de 100 km acima de nós. A ressonância era, em média, de 7,83 pulsações por segundo. Pois, não é que, a partir dos anos 1990, a frequência passou dos 7,83 para 13 pulsações por segundo. Ou seja, segundo o teólogo, o coração da terra disparou. E nós, terráqueos, giramos com ela. E só caímos pra fora se a Terra for plana, como prega o guru da trupe bolsonarista.
O filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) dizia que vivemos numa modernidade líquida, e que a nossa tendência é transitar entre as coisas sem nos fixarmos muito por conta da velocidade e do ritmo louco das transformações. A consequência, segundo ele, é a angústia e a incerteza que nos leva ao individualismo e consumismo.
Da minha turminha de berçário, somos cerca de 30 milhões de brasileiros e brasileiras. Você consegue imaginar o que de novo surgiu neste tempo de vida? E o que apareceu e depois sumiu, como a gemada em pó da Kibon. Deixo para você, leitor, fazer a lista.
No presente, eu vivo, vivemos nós, um período atarantado (não consegui encontrar outro vocábulo publicável). No Brasil de nosso tempo, um governo destrambelhado e criminoso está transformando a nossa nação numa caricatura perversa. Atrás do biombo, que tem à frente um fantoche travestido de palhaço, um plano de terra arrasada está sendo urgido pela sua matilha. Assim como a boiada passou no meio ambiente, enquanto o povo sofria, e sofre, o horror de uma pandemia, a tropa marcha célere para entregar o que ainda resta de nossas riquezas. Os pequenos produtores, as médias e pequenas empresas e os mais vulneráveis são as taubuas do tiro ao álvaro. Os e as grandes já foram entregues de bandeja pelo conluio político-empresarial Moro-FBI-Lavajato.
Por motivos às vezes dissemelhantes, estamos conquistando aliados mundo afora. Alguns, são os mesmos que alimentam a cobra. Mas, no momento, nações, investidores e organizações internacionais exigem respeito e atitudes do governo brasileiro na preservação da Amazônia e no atendimento às populações indígenas. O governo, acuado, monta às pressas planos e projetos. A pequenez do planalto não tem noção do tamanho do bicho. A turma que reclama é poderosa e pragmática. Todos eles seguem a cartilha de Peter Drucker.
Em tempo, mais uma referência literária oportuna. Quando o caçador chegou, Chapeuzinho Vermelho chorava pela vovozinha, comida pelo lobo mau. Não chore, linda menina, pois nem tudo está perdido quando resta uma esperança, assim falou o caçador e abriu a barriga do lobo. E de lá saiu, viva, a vovozinha.
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Excelente texto com belissimas citações apropriadas sobre o tempo. Nas entrelinhas, gostei da lembrança da gemada em pó da Kibon, dos 60 anos da primeira bicicleta e do período atarantado! Parabéns, Conde, do irmão Visconde de Montrose
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Bicicleta de 60 anos, tá difícil de acreditar. A minha magrela azul de Monlevade nunca chegaria a essa idade, bike é pra ralar…
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