Ailton Krenak, Intelectual do Ano

Ailton Krenak na Assembleia Nacional Constituinte

Um dos momentos mais marcantes da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), ocorreu em 4 de setembro de 1987. Naquele dia, com vários temas em pauta, o plenário estava cheio e os embates eram acalorados. Em dado momento, sobe à tribuna um jovem de 34 anos, trajando terno branco e gravata. Já nas suas primeiras palavras, cessa o burburinho e os constituintes começam a prestar atenção naquele que, ao falar, ia pintando sua face com tinta preta de jenipapo. Na tribuna, Ailton Krenak, protestava contra emendas ruralistas que poderiam ser um retrocesso na luta pelos direitos dos índios brasileiros. Seu pronunciamento contundente, decisivo para aprovar os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, foi reproduzido pelos principais veículos de comunicação do mundo. Na Academia, são inúmeros os trabalhos e teses sobre o evento. 

Passado que são 33 anos daquele dia histórico, o líder indígena, ambientalista e escritor Ailton Krenak é escolhido “Intelectual do Ano” e ganhador do troféu Juca Pato, concedido anualmente pela União Brasileira de Escritores (UBE). O prêmio é conferido à personalidade que, havendo publicado um livro de repercussão nacional no ano anterior, tenha se destacado em qualquer área do conhecimento e contribuído para o desenvolvimento e prestígio do país, na defesa dos valores democráticos e republicanos.

Com vários livros publicados, inclusive em outros idiomas, a obra escolhida para homenagear Ailton Krenak foi “Ideias para adiar o fim do mundo”. 

Mineiro da região do Médio Rio Doce, Ailton pertence a um grupo indígena que ficou sendo conhecido como Krenak. Mas ele próprio explica que a autodenominação correta do grupo é Burun, que significa seres humanos. O grupo buscou existir e se perpetuar às margens do Watu, nome original do Rio Doce. O mesmo rio que foi atingido pelo desastre provocado pela Vale e Samarco com rompimento criminoso da barragem de Fundão em novembro de 2015.

É interessante como algumas tribos e grupos, como os Buruns, se autodenominam “seres humanos”. Também a denominação Yanomami, grupo de 35 mil indígenas que vivem na floresta amazônica, quer dizer “ser humano”, em oposição a yaro (que é o animal de caça), yai (ser invisível) e napë (inimigo, branco ou não yanomami).

Como líder indígena, Ailton participou de vários movimentos. Em 1988, com a criação da União dos Povos Indígenas. No ano seguinte, por ocasião do assassinato de Chico Mendes, foi a vez da Aliança dos Povos da Floresta. O movimento busca a subsistência econômica das tribos através da extração do látex das seringueiras e de outros produtos da floresta. Em Minas Gerais, dedicou-se ao Núcleo de Cultura Indígena. Na região da Serra do Cipó, o Núcleo realiza o Festival de Dança e Cultura Indígena.

Trechos do premiado “Ideias para adiar o fim do mundo”:

“Tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos, como que vão fazer para escapar dessa. A gente resistiu expandindo a nossa subjetividade, não aceitando essa ideia de que nós somos todos iguais”.

“Sentimo-nos como se estivéssemos soltos num cosmos vazio de sentido e desresponsabilizados de uma ética que possa ser compartilhada, mas sentimos o peso dessa escolha sobre as nossas vidas. Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu?”

“A gente não fez outra coisa nos últimos tempos senão despencar. Cair, cair, cair. Então por que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos”.

Uma passagem do último livro de Ailton Krenak, “O amanhã não está à venda”:

“Esse vírus está discriminando a humanidade. Basta olhar em volta. O melão-de-são-caetano continua a crescer aqui do lado de casa. O vírus não mata pássaro, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise. Temos de abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. Desde pequenos, aprendemos que há listas de espécies em extinção. Enquanto essas listas aumentam, os humanos proliferam, destruindo florestas, rios e animais. Somos piores que a Covid-a9. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos”.

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Publicado por blogdocondearthur

Publicitário, jornalista e escritor

3 comentários em “Ailton Krenak, Intelectual do Ano

  1. Oi Arthur,

    bom texto sobre o Ailton Krenak, parabéns.

    Como ando revisando textos sempre, sugiro conferir o texto em

    dois pedaços; onde está um livro de percussão, deve ser repercussão?

    E citando trecho do livro do Krenak, está: num cosmos vazio se sentido,

    não seria sem sentido?

    Abraços

    ILVianna

    Curtido por 1 pessoa

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