Fica o dito pelo dito

Tem gente que gosta de um bom ditado. Eu também. Nos contos que publiquei nas antologias do Livro de Graça na Praça, eu sempre iniciava com um dito popular. Alguns curiosos, como o ibérico “Cada um é como cada qual”. Em certo conto, inclui uma citação do jurista, político, filósofo e humanista francês do século XVI, Michel de Montaigne: “A palavra pertence metade a quem a profere e metade a quem a ouve”.

Também é verdade que, entre os ditados e provérbios, alguns são completamente furados. Entre eles, o “Mata a cobra e mostra o pau”. Mostrar o pau não indica que a cobra está morta. O correto seria matar a cobra e mostrar a cobra.

Como nos ensina a enciclopédia livre Wikipédia, alguns provérbios são baseados em histórias. As fábulas do grego Esopo (620-564 a.C.) inspiraram diversos escritores, como La Fontaine. Entre nós, as mais conhecidas são: A Lebre e a Tartaruga, A Cigarra e a Formiga e A Reunião Geral dos Ratos.

Vale a pena recordar esta última. Conta que os ratos viviam com medo de um gato. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um rato jovem levantou-se e deu a ideia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto, eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todo mundo bateu palmas, o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se do seu canto e falou que o plano era muito inteligente, que com toda a certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?

No ano passado, em visita a Moçambique, o papa Francisco citou o seguinte provérbio: “Se quiser chegar rápido, caminha sozinho; se quiser chegar longe, vai acompanhado”.

Francisco deve ter se lembrado do provérbio africano quando lançou a encíclica “Fratelli Tutti” (Todos Irmãos) no passado dia 3 de outubro. E, claro, deu uma necessária atualizada na encíclica “Rerum Novarum” (Das coisas novas) do papa Leão XIII, de 1891. O documento de Leão XIII trata de alguns princípios que deveriam ser usados na busca de justiça na vida social e econômica dos trabalhadores, como uma melhor distribuição de riqueza e a intervenção do Estado na economia.

Mas Francisco foi além. Em suas 84 páginas, ele cita líderes como Martin Luther King, Desmond Tutu e Mahatma Gandhi, denuncia a desigualdade e condena o neoliberalismo, afirmando que “O mercado sozinho não resolve tudo, embora mais uma vez queiram nos fazer acreditar nesse dogma de fé neoliberal. É um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que surja”.

Sobre o combate ao coronavírus, Francisco destacou a incapacidade dos dirigentes de atuar em conjunto, revelando que “a fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”. E afirma: “Muitos ateus cumprem melhor a vontade de Deus que muitos crentes autorizados por sua fé a apoiar formas de nacionalismos fechados e violentos, atitudes xenófobas, desprezos ou inclusive maus-tratos aos que são diferentes”.

Ao fazer uma referência à canção “Samba de Benção”, de Vinícius de Moraes, “A vida é a arte de encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, Francisco coloca em sua encíclica que “a especulação financeira com o lucro fácil como objetivo fundamental continua provocando estragos. O vírus do individualismo radical é o vírus mais difícil de derrotar. É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos”.  

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Publicado por blogdocondearthur

Publicitário, jornalista e escritor

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