
Podemos dizer que, tecnicamente, o atual presidente do Brasil foi eleito democraticamente. No segundo turno, ele conquistou 57,7 milhões de votos, cerca de 10 milhões a mais do que seu concorrente, Fernando Haddad. Ao tomar posse, ele fez, como determina a Constituição, o seguinte juramento: “Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. No mesmo dia, em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, declarou: “Vou buscar pacificar o nosso Brasil. Nós vamos pacificar. Sem eles contra nós ou nós contra eles. Nós temos como fazer políticas que atendam o interesse de todos”.
Desde a sua posse, ao contrário de seu juramento e de sua primeira declaração como presidente, Bolsonaro não fez outra coisa a não ser dividir a população brasileira, criando inimigos imaginários e atrelando o Brasil aos interesses dos EUA. Para ele, quem não reza em sua cartilha negacionista, é comunista e traidor da pátria. E comunista para ele pode ser o Papa ou qualquer um que lhe faça oposição. Na pandemia, foi contra a ciência, o distanciamento social, a máscara e, agora, até mesmo a vacina tem pouca importância. Com o seu exemplo maquiavélico, seguidores bolsonaristas fazem manifestações contra a vacina e as instituições democráticas.
Na quarta-feira passada, ao receber em Brasília uma comissão dos EUA, interessada no apoio do Brasil na guerra comercial de Trump contra a China, Bolsonaro, sem nenhum pudor, enquadrou o general da ativa ministro da Saúde e afirmou que o Brasil não comprará a vacina CoronaVac, da empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Para ele, o medicamento não transmite segurança e não tem credibilidade “pela sua origem”. No mesmo dia, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro declarou que o governo federal não comprará nenhuma vacina oriunda da China, mesmo que seja aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Dois dias antes, 24 governadores haviam acertado com o Ministério da Saúde, com o conhecimento do presidente Bolsonaro, uma compra inicial de 46 milhões da CoronaVac. Na oportunidade, o ministro da Saúde teria dito que seria a vacina do Brasil. O acordo chegou a ser publicado no site do Ministério da Saúde. Após as declarações do Bolsonaro, a matéria foi retirada do site e o secretário-executivo do ministério declarou que “não há intenção de compra de vacinas chinesas”.
A população brasileira não pode ficar à mercê dos jogos político-eleitorais e ideológicos dos nossos governantes. Mais grave é aceitar a ingerência de um país estrangeiro, no caso os EUA, na escolha da vacina que teremos direito. O perigo é que este tipo de disputa absurda pode, entre outros prejuízos, atrasar a distribuição e aplicação da vacina entre nós.
O espírito negacionista das hordas bolsonaristas não é de hoje. Em 1904, no Rio de Janeiro, ocorreu o que ficou na história como a Revolta da Vacina. Na época, houve até um motim na cidade contra as medidas sanitaristas e a vacina contra a varíola. A insurreição deixou 30 mortos, centenas de feridos e mais de mil revoltosos presos. As fake news de então diziam que a vacina servia para introduzir uma doença dentro do corpo das pessoas. Exatamente como são as notícias implantadas nas redes sociais da extrema-direita bolsonarista sobre a vacina contra o coronavírus. A diferença, entre outras, é que, naquela época, era o governo que desejava vacinar a população. Hoje, é a população que deseja ser vacinada. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, 89% dos brasileiros pretendem se vacinar contra o coronavírus, 3% responderam que não sabiam e 9% disseram que não iriam tomar a vacina. Assim, se acontecer uma nova Revolta da Vacina, será o povo nas ruas contra um governo que não adota o que recomenda a ciência e determina a Constituição Brasileira.
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