o inferno: fora daqui

todo ano, queimam-se no japão os bonecos do daruma, tenha ele atendido ou não as preces de seu dono.

beto vianna

pois é, racismo é estrutural, e cobra sua parte no comportamento de todos nós, em especial dos brancos, pessoalmente beneficiados por não arcar com todas as suas consequências. ainda assim, vivemos um momento em que o recurso ao racismo explícito, dito pública e impunemente, inclusive por agentes públicos e celebridades, aprofunda o problema, pela via da naturalização, e dificulta as ações institucionais e as políticas públicas pro seu combate.

a expressão pública do racismo, mal disfarçada pelo tom jocoso e travestida de liberdade de expressão, não é condenada com a mesma intensidade pelo grosso da grande mídia, recebe o apoio de parte da população, e motiva a escalada da violência contra os pretos, como se essa já não fosse insuportável, e minimiza ou ressignifica suas consequências (como na recente declaração da delegada sobre o caso do preto assassinado por seguranças do carrefour). o problema se estende a outras populações minorizadas nas relações sociais e econômicas, como índios, mulheres, bichas, transgêneros, imigrantes e deficientes, em que o fator classe é muita coisa, mas não é tudo (se meu tom tá didático, já peço desculpas, quero ou desabafar ou conversar, não ensinar).

é um problema continuado, sempre político, a ser tratado politicamente, mas, atualmente, também uma questão ideológica (que implica, em qualquer espectro político, o adesismo convicto, resistente à prática da conversa), graças ao renascimento da extrema direita e sua personificação na figura do presidente, eleito democraticamente pela maioria da população brasileira (ignorar essa última parte é negar a parte – talvez a pior – do problema), que nunca escondeu suas posições preconceituosas, ao contrário, aumenta seu cacife político graças à sua exposição constante. ainda hoje, e apesar das pinceladas de diversidade das últimas eleições municipais.

tudo isso é muito óbvio, mas darcy já alertou que é o óbvio o que mais nos devia assombrar. todas as frases abaixo foram ditas publicamente pelo presidente da república do brasil. não precisam de contexto. o conjunto das frases é o contexto.

“olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. não fazem nada. acho que nem pra procriador serve mais”.

“falei realmente, né, aquele negócio lá do… ‘ô hélio, tudo bem, hélio? tranquilo aí? você pesa quantos arrobas, hélio?’ (dirigindo-se ao deputado hélio lopes, psl-rj)

“meu irmão que demorou para nascer (…)deu uma queimadinha no hélio aí. senão, ele seria a minha cara” (em referência ao deputado hélio lopes, psl-rj)

“índio tá evoluindo, cada vez é mais ser humano igual a nós”

“não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. não corro esse risco porque os meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu“ (respondendo à pergunta de preta gil, sobre o que faria se seu filho se apaixonasse por uma negra)

“prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”

“só não te estupro porque você não merece” (dirigindo-se à deputada maria do rosário, pt-rs)

“as minorias devem se curvar às maiorias ou serão esmagadas”

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Publicado por blogdocondearthur

Publicitário, jornalista e escritor

2 comentários em “o inferno: fora daqui

  1. Estamos diante de algo sem precedentes. Não me conformo com essa dita democracia, essa da urna, onde um sujeito sem moral e escrúpulos dá o aval para sujeitos iguais ou piores que ele tomarem como certo atos de racismo, de homofobia, e outros preconceitos.
    Se há um inferno é esse: ter que aceitar a escolha avessa do outro e, mesmo esfregando na cara as barbaridades, quase todos os dias, ouvir um ‘aceita que dói menos’ aqui e ali, em apoio ao que se tem.

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