
Não, ele já não está enganando ninguém. Bolsonaro quer e vai tentar um golpe. Golpista o é desde sempre. Militar, projetou colocar bombas em quartéis e estourar a adutora do Guandu. Deputado, defendeu a pena de morte e a ditadura militar. Um de seus discursos na Câmara em 1999: “Só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil! Começando com FHC! Não deixa ele de fora não.” Em 27 anos como deputado, só teve dois projetos aprovados. Um que isenta do IPI os bens de informática e outro que autoriza o uso no Brasil da chamada “pílula do câncer”, um remédio que jamais foi aprovado pela ciência. Durante todo o período destilou ódio em suas declarações golpistas, racistas e homofóbicas.
Candidato a presidente, se apresentou como o arauto da antipolítica. Em entrevista ao Jornal Nacional, declarou: “vou acabar com a reeleição para presidente e diminuir a quantidade de parlamentares em 15, 20%”. Defendeu o excludente de ilicitude: “invadiu propriedade urbana ou rural, você armado, fogo neles sem nenhum problema jurídico”. Defendeu armar a população com alterações no Estatuto do Desarmamento. Atacou a adoção de crianças por casais homossexuais e prometeu cortar financiamentos para organizações de direitos humanos. Entre absurdos, criticou as reservas indígenas e afirmou: “vou titularizar as terras indígenas e permitir que índios as explorem e até as vendam”. E, claro, para as elites, prometeu um amplo plano de privatizações, criticou as relações com a China e prometeu abrir o comércio do Brasil com os países “civilizados”, como Israel e EUA. Assim, dizendo que jamais iria negociar com políticos, Bolsonaro foi eleito.
Presidente, cercou-se de generais e formou um governo à sua imagem e semelhança. De sua posse até hoje, não passou uma semana sem uma ameaça direta ao povo brasileiro. Participou de atividades antidemocráticas, com passeatas, discursos e sobrevoo. Montado a cavalo, como fazia o ditador Benito Mussolini, circulou entre aqueles que pediam a volta dos militares. Acompanhado de ministros, inclusive generais da ativa, participou de atos contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E tudo impunemente. A seus apoiadores, no chiqueirinho do palácio, bate no peito para chamar de seu o exército brasileiro. Jornalistas apontam o paradoxo de um presidente fraco que consegue ser mais forte do que o exército.
A pandemia caiu no colo do Bolsonaro. Era o que ele precisava para mostrar a que veio. Agora sim, o discurso de ódio poderia ser exercitado em plenitude. Pelos seus cálculos, a nação está frágil e pode se render a um homem forte, cercado de militares e populista. Um caldo terrível, cujos resultados assistimos, no século passado, na Espanha de Franco, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini.
Se não surgisse o terrível vírus, talvez o Bolsonaro não conseguiria passar de uma nota ao pé de página ou uma menção no anedotário político. Sua total incompetência administrativa, sua mente esquizofrênica e seu despreparo intelectual fariam dele apenas um macaco em loja de louça. O governo cairia como um castelo de areia.
Mas a pandemia chegou e Bolsonaro aproveitou para instalar a sua necropolítica. Quanto mais mortes, quanto mais sofrimento, mais ameaça. Mesmo tendo o vírus como aliado, Bolsonaro o desdenha para mostrar ser ainda mais poderoso e letal. Em meio a quase meio milhão de mortos, ele aposta no caos. Lança aos ventos provocações e aguarda um pretexto para intervir. Seu objetivo, já não mais camuflado, é se aproveitar de uma possível comoção nacional e surgir como defensor da pátria.
Em uma única semana, ele ameaçou contestar o resultado se a próxima eleição não for com voto impresso, negou a eficácia das vacinas contra a Covid-19, criticou o uso das máscaras e ridicularizou o distanciamento social. Golpista e genocida. Em sua estética fascista, promove desfiles de motos com seus apoiadores e alguns tantos de sua patota de milicianos. Em atitude totalmente ilegal, entra, sem ser passageiro, em um avião comercial para gerar factoide eleitoral. Se rejeitado, parte para a ofensa pessoal e racista.
O mundo já despertou para o caráter sanguinário e perigoso do que está em curso em nosso país. Em recentes editorais, dois jornais britânicos, Financial Times e The Guardian, denunciaram o risco de um golpe pelo presidente brasileiro e foram unânimes: “Bolsonaro é um perigo para o Brasil e para o mundo.”
E nós? Até quando? Mesmo que ainda tímida, a chamada grande imprensa parece ter, finalmente, “descoberto” o perigo que sopra de seu antigo aliado do planalto. As manifestações começam a ganhar fôlego com o mote: quando o povo vai às ruas em uma pandemia, é porque seu governo é pior e mais perigoso que o vírus. A elite brasileira permanece alheia, tal como foi durante a ditadura militar de 1964. O UOL perguntou a dirigentes de 60 mega empresas brasileiras se haveria algum risco de o presidente Bolsonaro tentar dar um golpe militar. Apenas dois dirigentes responderam. Para o Bradesco, a democracia no Brasil é consolidada e a Alpargatas acredita ser fundamental o respeito à democracia e ao Estado de Direito. Os outros 58 ficaram calados. Medo ou conivência?
O golpe pode estar em curso. Manter o Brasil e os brasileiros sob as botas rotas de um tipo como Bolsonaro são outros quinhentos.
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