
beto vianna
no filme get back, paul e john reclamam da viagem dos beatles à índia. dizem que “não eram eles mesmos”. george solta essa: “a piada é que, se vocês fossem vocês mesmos, não seriam o que são agora”. conhecer helinho e sua trupe – soraya, maru, izabel, zezinho, fernando, ronaldo – com licença pra brincar o teatro com a trupe, pra ser outra coisa, muitas outras coisas, no espaço dionisíaco, e portanto, rigorosamente verdadeiro, da arte da trupe, foi determinante de tudo que eu possa ser agora.
belo horizonte, 1989, brasileirinho versus mister mídia. helinho e a trupe do helinho botaram arte, política e rua na epigênese da candidatura de leonel brizola à presidência da república federativa do brasil. helinho acrescentou aos seus muitos metros de altura dramática, 20 polegadas a mais de tv, sintonizando a própria imagem, verossimilhança e som em playback, ó, tempos de vhs. transmutante em ator de tv, o hélio-híbrido cibernético-zolini impersonava em tecnicolor o televilão mister mídia, maléfico impositor de alternativas políticas à alegria, arqui-inimigo do prazer (e da dor que também somos, como ensinou darcy), nêmesis do carnaval, do delírio, da comida, da casa, do trabalho, da educação e da arte. só hélio era sol e tamanho pra ser mister mídia. só a um gigante gentil foi permitido atuar vertiginosamente pelo precipício da ignomínia que a direita, toda eleição, todo ano, todo santo dia, como uma fênix sem brilho e sem pena, reinventa. mister mídia é o interminável renascer do “lado doutor, fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens”, como já manifestara Osvaldo em 22.
botar o coração e a cabeça de helinho dentro do mister mídia – o canal e o aparelho da direita – era explodir de-dentro-pra-fora, de bombamor, de bomba cômica, o meio e a mensagem da canalha. no andar de baixo do cenário, que é a calçada, ou o balcão de um bar de esquina, o trio brasileirinho (um malasartes-capitão rodrigo, ou só rodrigo, de carcomida que é hoje a patente) e duas musas de teatro de revista (carmen e josephine, clementina e pina, isadora e cacilda, leila e alicia, elis e luz) duelam com mister mídia empunhando a palavra-cantada, a palavra-encenada e a palavra-dançada. nos bastidores do nosso lado, um cineasta, um jornalista, um brandão e um artista plástico. nos bastidores do lado deles, eles mesmos, a direita.
o brasil é saboroso e terrível, mas a mim, pessoalmente, e envergonhadamente, o brasil sempre sabe mais saboroso que terrível. por isso, vale viver. esse olho-ouvido torto, que turva de ver fome e enganação, e vibra de escutar samba e roquenrol, foi o presente ainda presente que ganhei do helinho e da trupe do helinho. e também por isso, vale viver.
ronaldo, soraya e helinho mereciam só ter morrido depois de termos vencido.
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