
Outro dia, resolvi fazer uma coisa que não faço há anos. Se é que já fiz alguma vez na vida. Peguei um bom livro (no caso, As Lágrimas da Girafa) e sentei-me à frente do televisor. Escolhi um canal e lá fiquei. Lendo e espiando de rabo de olho os comerciais. Não, não é por ainda existir no sangue o que sobrou do publicitário que já fui. O meu interesse televisivo era detectar a presença de campanhas educativas sobre a pandemia. Em toda uma tarde, não encontrei nenhuma. À noite, apareceram dois comerciais de empresas privadas com informações educativas sobre o coronavírus.
O que eu estava mesmo querendo saber é se o governo federal estava ou não veiculando uma campanha educativa sobre a pandemia. Não vi. E olha que o governo federal sempre foi pródigo em campanhas educativas. Quem não se lembra do Zé Gotinha, personagem criado pelo artista plástico Darlan Rosa? Mas, e agora com a pandemia do coronavírus?
Fui pesquisar no site do Ministério da Saúde e lá encontrei várias peças de uma campanha educativa sobre o coronavírus. Mas, cadê? Só se o governo está veiculando em seus próprios canais, que poucos acessam. A Empresa Brasil de Comunicação tem 7 emissoras de rádio, um canal de TV e duas agências de notícias. A campanha não deveria estar em todos os canais abertos de TV e em todas as emissoras de rádio e jornais pelo Brasil afora?
Uma campanha nacional, com as informações necessárias e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, já deveria estar no ar pelo menos desde 26 de fevereiro. Nesta data, a primeira confirmação da doença entre nós. Ou, na pior das hipóteses, desde o dia 11 de março, quando a OMS caracterizou a doença como pandemia. Naquele dia, eram 118 mil casos em 114 países e mais de 4 mil mortos.
A veiculação de uma campanha educativa em todos os veículos de comunicação social é imprescindível agora, com os números subindo, e também o será quando chegarmos na tão esperada curva. Quando acontecer o relaxamento das medidas de isolamento, a campanha deverá insistir nos métodos de prevenção e pedir para, quem puder, permanecer em casa.
O Ministério da Saúde, para piorar ainda mais a situação, resolveu iniciar o processo de licitação para escolher uma nova agência de publicidade. Muda ministro, muda equipe, muda tudo no momento mais grave que a nação está vivendo. E, a cada mudança, novas orientações, outros planos.
Ao contrário de uma campanha educativa nacional, o que estamos assistindo é uma ação descoordenada, que não só embrutece como deixa a população brasileira totalmente desavisada e desinformada.
Além da falta de uma comunicação honesta, o Brasil vive uma das suas mais graves crises políticas. Entre outras, com um ministro pedindo a prisão dos membros do STF e outro acusando a China de espalhar o vírus. Na soma da balbúrdia, um presidente que defende um remédio sem eficácia comprovada, interfere na Polícia Federal e provoca reuniões públicas em total desacordo com as orientações sanitárias.
Enquanto isso, a maioria dos países tem investido pesado na comunicação, veiculando campanhas de orientação com base na ciência e nas experiências bem sucedidas em outras plagas. Em todo o mundo, presidentes e primeiros-ministros comandam pessoalmente a defesa de seus governados no combate à pandemia. Diariamente, eles promovem coletiva de imprensa para atualizar e orientar as medidas.
Como também sou cidadão canadense, acompanho os esforços do governo e de sua população no combate ao coronavírus. Com um investimento de trinta milhões de dólares, o governo federal lançou uma nova campanha, pedindo o distanciamento social e o cuidado com a higiene. Da mesma forma, algumas regiões do Canadá lançaram suas próprias campanhas. Ontário, cuja capital é Toronto, também acaba de colocar no ar uma nova campanha publicitária, de 10 milhões de dólares, destinada a aumentar a conscientização do público sobre o COVID-19 e manter os moradores informados sobre os últimos desenvolvimentos relacionados com o surto.